O debate sobre a integração da infraestrutura regional, assim como de supressão de assimetrias e desenvolvimento equitativo nem sempre esteve nas pautas de discussão dos mecanismos integracionistas e de cooperação sul-americanos. Foi a partir de meados dos anos 2000, com uma maior aproximação política e econômica que foi se abrindo espaço para a inserção desses novos temas. Com a intensificação comercial no continente sul-americano ao final da década de 1990, problemas e barreiras de infraestrutura e conexão física foram identificados entre os países. Tais barreiras encareciam e dificultavam a ampliação do comércio na região, retardando as intenções de crescimento e aumento das exportações dos países sul-americanos, objetivo visado em seguimento aos ideais neoliberais do período.

A primeira iniciativa em âmbito multilateral para a integração da infraestrutura sul-americana surgiu na Primeira Reunião de Presidentes da América do Sul1, onde foi criada a Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA). Desde sua criação a IIRSA conta com o fomento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), da Corporação Andina de Formento (CAF) e do Fundo Financeiro para Desenvolvimento da Bacia do Prata (FONPLATA). Entretanto, em 10 anos de iniciativa, as principais dificuldades da integração da infraestrutura sul-americana se apresentavam em termos de baixa institucionalidade do mecanismo regional, e principalmente pela insuficiência de altos financiamentos para realização de seus projetos.

Em seus 3 primeiros anos a IIRSA teve seus esforços direcionados a criar a base estrutural para realização dos objetivos visados, culminando na Visão Estratégica da Integração Física Sul-Americana (VESA)2 em 2003. A partir desse momento foram definidos os Eixos de Integração, os Grupos Técnicos Executivos (GTE) e outras instâncias de trabalho dentro da estrutura da iniciativa, chegando à primeira Carteira de projetos no ano de 2004. A primeira carteira apresentou 335 projetos de infraestrutura, que estimavam um valor de investimento de US$ 37.425 milhões de dólares. Lentamente os projetos foram sendo estruturados e iniciados, assim como a carteira fora evoluindo de acordo com questões técnicas, impedimentos e oportunidades existentes tanto no âmbito externo, como interno dos países. No ano de 2010 a IIRSA havia concluído 33 projetos de infraestrutura nos eixos de integração sul-americanos. No entanto, a lentidão dos processos e limitada transparência nas informações entre os países, que agiam mais bilateralmente do que em âmbito multilateral, resultou no consenso de que a iniciativa necessitava maior apoio institucional, principalmente para atrair maiores investimentos.

Dessa maneira, em 2011 a IIRSA foi incorporada como Foro Técnico do novo órgão da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), o Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN). A partir desse momento, novos projetos foram adicionados à Carteira de Projetos, e outros que foram identificados como de difícil execução foram excluídos. Até o ano de 2015, em 4 anos da atuação do COSIPLAN haviam sido concluídos 76 projetos. Em um breve entendimento tem-se que em menos da metade do período anterior da iniciativa, já haviam dobrados os resultados.

Entretanto, a eficiência dos projetos para o aprofundamento da integração regional sul-americana ainda é ponto de questionamento entre os estudiosos da integração regional, principalmente porque com a incorporação do mecanismo na UNASUL, o discurso de supressão de assimetrias, proteção ambiental, desenvolvimento social e outros, foram destacados como prioritários na realização dos projetos, discurso esse, que não apresenta grandes concretizações em ações e é largamente alvo de críticas.

As dificuldades de obtenção de financiamentos ainda é pontual para o COSIPLAN. Ademais, outros fatores que existiam antes da incorporação à UNASUL ainda persistem, como os esforços bilaterais em vez de um maior envolvimento multilateral, assim como a falta de transparência e barreiras burocráticas internas dos países que retardam e até mesmo impedem a consolidação do projetos em seu objetivo de aprofundar a integração sul-americana.

Nos últimos dias 12 e 13 de Setembro, houve o Colóquio: Planificación para la Integración y Desarrollo de Territorios de Frontera em Buenos Aires, na Argentina, no qual ocorreram debates e reuniões dos Grupos Técnicos Executivos (GTE) com os responsáveis pelas áreas de cada país sul-americano. Parte do debate do evento, que não incluía as reuniões e atividades entre os técnicos, foi transmitida ao vivo pelo Youtube. Durante as transmissões foi possível perceber que ainda existem inúmeras barreiras a serem quebradas, e que a baixa institucionalidade e autonomia ainda são persistentes na integração regional no âmbito da infraestrutura, sendo um dos fatores que ainda dificultam o andamento dos trabalhos. Cada país com suas burocracias e métodos acabam realizando processos repetitivos, que poderiam ser unificados entre os países e agilizados, como no caso da fiscalização nas fronteiras.

No primeiro dia de transmissão, Fernando Álvarez de Celis, Subsecretario de Planificación Territorial de la Inversión Pública del Ministerio del Interior, Obras Públicas y Vivienda de Argentina, pontuou em seu discurso que ainda é necessário aprofundar a integração entre os países da região, intercambiando os conhecimentos técnicos e tecnológicos nos processos internos de cada país para que a integração seja real, havendo livre circulação de mercadorias e pessoas de maneira mais ágil como objetivado. Ainda assim, o subsecretário afirma que a transparência ainda é uma dificuldade e que em pleno século XXI a integração das fronteiras deveria estar melhor, e não somente em âmbito econômico, mas também para as populações que vivem nas regiões fronteiriças.

Tanto Fernando Álvarez de Celi como outros participantes da reunião apresentaram novas plataformas que estão sendo criadas para a integração, que buscam incentivar a maior transparência, comunicação e convergência de tarefas para eliminar o trabalho repetido entre os países. Em uma outra visão, Atilio Alimena, Director Nacional de Planificación de la Integración Territorial Internacional del Ministerio del Interior, Obras Públicas y Vivienda de Argentina, aponta que no que tange as fronteiras sul-americanas ainda há muitos problemas a serem resolvidos no âmbito da integração. No discurso de Atilio tem-se que é necessário diminuir o foco nos problemas e buscar na verdade o desenvolvimento e crescimento das regiões fronteiriças para alcançar a facilitação da integração de maneira duradoura que permita a construção dos projetos, e não apenas soluções imediatas que retardem o processo no largo prazo.

De todos os modos, em todos os discursos foi altamente reforçada a importância da transparência de informações e da necessidade de melhora na comunicação entre os Estados sul-americanos, principalmente na fronteira, onde seria de grande utilidade a junção da informação que passa na linha e ao redor da fronteira entre os países, pois é muito difícil obter tais informações ao tempo de se resolver os problemas em tempo real. Ainda de acordo com Atilio, os Estados necessitam acumular informações para resolver problemas em tempo real pois, sem informação não se pode construir nada, em suas palavras, “es necesario cruzar datos para formar conectividad entre todos los países”. A informação é uma ferramenta que os países têm que usar em conjunto, estabelecendo um ponto de equidade para que se possa gerar desenvolvimento.

Muitos dos debates realizados nos dois dias de reunião do GTE do COSIPLAN demonstraram ações que estão sendo feitas para melhorar a conectividade e a integração sul-americana, mas em âmbito bilateral, como a Argentina com o Brasil, ou o Panamá com a Costa Rica. Não houve um discurso em âmbito de esforços multilaterais inseridos no próprio mecanismo da UNASUL. De acordo com muitos dos responsáveis o caminho ainda é largo, mas o trabalho deve ser constante para que se alcance aos poucos o crescimento, principalmente porque existem muitas informações que ainda não estão disponíveis e compartilhadas.

Por fim, apesar dos ganhos que existem desde a criação da IIRSA em 2000 até o momento atual, com maior realização de projetos após a sua incorporação na UNASUL, as burocracias nacionais, assim como a baixa institucionalidade e pouco intercambio de informação entre os países sul-americanos retardam e inibem os ganhos da realização dos projetos de infraestrutura. Ao final do primeiro dia da reunião realizada, Margarita Libby Hernandez (Especialista Senior en Integración y Comercio del BID), disse: “Quizás ‘sólos’ llegamos más rápido. ‘Juntos’, llegamos más lejos”. Com essa frase final seguimos acompanhando a evolução da integração sul-americana no âmbito da infraestrutura e seus desdobramentos.

_____________________________

1 A primeira Cúpula de Chefes dos doze Estados da América do Sul ocorreu de 31 de Agosto a 1º de Setembro na cidade de Brasília – Brasil.

2 A VESA foi apresentada pela primeira vez na IV Reunião do Comitê de Direção Executiva (CDE) da IIRSA, no dia 2 de Julho de 2003 em Caracas, Venezuela. Tal visão estratégica buscava impulsar um desenvolvimento sustentável na América do Sul através de uma estratégia regional, que levasse em conta necessidades nacionais com “el análisis de las dinámimcas regionales y el diseño de iniciativas de alcance multinacional” (Iniciativa para a Integração Regional Sul-Americana, 2003).

______________________________

As transmissões da íntegra estão disponíveis no Youtube nos links abaixo:
Reunión del Grupo Técnico Ejecutivo UNASUR – COSIPLAN – Día 1

Reunión del Grupo Técnico Ejecutivo UNASUR – COSIPLAN – Día 2

Agenda do Evento
http://www.iirsa.org/admin_iirsa_web/Uploads/Documents/Fronteras_Agenda_streaming_Baires17_setiembre.pdf?utm_source=Espa%C3%B1ol&utm_campaign=014f591013-EMAIL_CAMPAIGN_2017_09_08&utm_medium=email&utm_term=0_a729517049-014f591013-161121861

Escrito por

Bárbara Carvalho Neves

Doutora e Mestre pelo Programa de Pós Graduação em Relações Internacionais - San Tiago Dantas. Bolsista FAPESP (20/04348-5).
Colaboradora do Laboratório de Novas Tecnologias de Pesquisa em Relações Internacionais (LANTRI), do Grupo Rede de Pesquisa em Política Externa e Regionalismo (REPRI) e do Grupo de Reflexión sobre Desarrollo y Integración en América Latina y Europa (GRIDALE).
Áreas de Interesse: Política Externa Brasileira, Regionalismo Sul-Americano, Instituições Regionais, Integração em Infraestrutura, IIRSA e COSIPLAN.
Linkedin (https://www.linkedin.com/in/b%C3%A1rbara-neves-765055128/)
Lattes (http://lattes.cnpq.br/1285958251025487)