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Existe, se não um consenso, uma ampla aceitação da ideia de que os rumos da integração regional na América do Sul dependem, em larga medida, do relacionamento entre Argentina e Brasil. Consequentemente, quaisquer análises que pretendam um prognóstico sobre o futuro das iniciativas de integração na região exigem uma reflexão sobre a relação bilateral Brasília-Buenos Aires. A alternância das elites à frente dos governos nacionais, na mesma medida em que altera a intensidade, as estratégias e os objetivos em torno da parceria Brasil-Argentina; leva ao surgimento de conflitos que refletem, em maior ou menor grau, nos mecanismos de integração regional.

Nos governos dos presidentes Néstor Kirchner (2003-2006) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), por exemplo, apesar da expectativa de aprofundamento dos processos de integração regional gerada pelo anúncio de uma aliança estratégica entre a Casa Rosada e o Palácio do Planalto, a história mostrou que as relações bilaterais foram marcadas por uma convergência no âmbito do discurso e por diversas disputas no âmbito comercial.

Na verdade, os conflitos setoriais entre os dois sócios não eram novidade. A situação já era crítica em 1999, quando a desvalorização cambial do real proporcionou uma reação positiva para as empresas remanescentes do Brasil, mas agravou a situação da Argentina com o desaparecimento de ramos industriais inteiros. Como consequência, aumentou-se a assimetria das estruturas produtivas entre ambos os sócios (BARROS, 2004).

Disso decorreu o estabelecimento de medidas protecionistas em diversos setores do mercado argentino que, segundo o governo Kirchner, estavam sendo “invadidos por produtos brasileiros”. A chamada “guerra das geladeiras” é o exemplo de maior destaque (LANDIM, 2011).  O conflito que envolveu o comércio bilateral de eletrodomésticos da linha branca iniciou-se em junho de 2004, quando o ministro argentino Roberto Lavagna anunciou medidas de restrição contra o Brasil por meio de licenças não-automáticas, ou seja, medidas burocráticas alfandegárias que dificultavam a entrada dos produtos brasileiros no país (PALACIOS, 2004).

O início do governo do argentino Mauricio Macri, eleito em 2015, e a chegada ao poder de Michel Temer, que assumiu a Presidência do Brasil em 2016, não alteraram a aparente centralidade que a cooperação bilateral assumiu desde a redemocratização dos dois países, apesar das críticas ferrenhas às políticas externas de seus antecessores.

Atualmente, ainda que seja demasiado cedo para quaisquer análises mais profundas, a cooperação Brasil-Argentina aponta para uma agenda menos abrangente que a dos governos anteriores; porém, indica uma convergência maior em relação à centralidade que as negociações comerciais devem possuir. Nesse sentido, parece haver um consenso no que diz respeito à necessidade de fazer avançar o acordo entre o Mercosul e a União Europeia, bem como de realizar uma aproximação aos países da Aliança do Pacífico, sobretudo com o México.

Ao mesmo tempo, as crises econômicas que marcam as conjunturas nacionais, as incertezas sobre o governo Trump e os destinos do comércio mundial e a instabilidade política no governo brasileiro – que, na política externa, materializou-se através da renúncia do então chanceler José Serra – representam os desafios incômodos para o sucesso de iniciativas externas que, de uma forma geral, demandam uma estratégia estável de longo prazo.

Assim sendo, ainda que o horizonte seja de incertezas para o fortalecimento da integração regional sul-americana, as relações bilaterais Brasil-Argentina parecem ser a alternativa pragmática para fomentar as economias nacionais e, em alguma medida, proteger os países da conjuntura internacional que desenha seus contornos, cada vez mais, obscuros e turbulentos.

PARA MAIS INFORMAÇÕES (REFERÊNCIAS)

O ESTADO DE S. PAULO
BARROS, José Roberto Mendonça de; BAER, Monica. A guerra das geladeiras e as perspectivas do Mercosul. 16 ago. 2004.
LANDIM, Raquel. Argentina volta a barrar geladeiras. 13 maio. 2011.
PALACIOS, Ariel. Sai acordo com argentinos na venda de geladeiras. O Estado de S. Paulo. Buenos Aires, p. B6, 16 jul. 2004.

EL PAIS
OLIVEIRA, André. Temer e Macri ‘pulam’ temas espinhosos e fazem aceno ao México. El Pais. 07 fev. 2017. 

BETIM, Felipe. José Serra deixa o Itamaraty e cita motivos de saúde. El Pais. 22 fev. 2017.
 

Escrito por

Ana Elisa Thomazella Gazzola

Professora de Relações Internacionais na UNIP. Doutoranda e mestra do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas - UNESP, UNICAMP e PUC-SP, desde 2015, com foco em processos de Integração Regional na América do Sul. Pesquisadora do Observatório de Regionalismo (ODR) e da Rede de Pesquisa em Política Externa e Regionalismo (REPRI). Pós-graduada em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (2013). Graduada em Relações Internacionais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2009).