II CILPE, fevereiro de 2022 em Brasília. Fonte da imagem: OEI Brasil
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Dando continuidade à temática discutida na última terça-feira, 25 de abril, na Parte I deste artigo, intitulada “Histórico e atuação do IILP/CPLP”, hoje orientamos nossa atenção para os princípios de trabalho da política externa brasileira na promoção e difusão da língua portuguesa e suas expectativas de desenvolvimento no IILP. Para isso, contamos com a análise da Sra. Lilian Pinho, Primeira-Secretária e Chefe da Divisão de Língua Portuguesa (DLP) do Instituto Guimarães Rosa/MRE, com quem conversamos no dia 30 de março.
1. Princípios estratégicos para promoção e difusão da língua portuguesa: conversa com Lilian Pinho, Chefe da DLP/Instituto Guimarães Rosa/MRE
“Para o Brasil, a existência e o trabalho do IILP são muito caros”. Assim iniciou sua fala a diplomata Lilian Pinho e seguiu: “além de ter sido uma grande impulsionadora de sua criação, a política externa brasileira valoriza o organismo por sua singularidade dentro da estrutura da CPLP, como espaço em que todos os Estados membros devem se sentir igualmente representados e responsáveis pela gestão compartilhada do idioma”. Quanto à história do IILP, também indicou o ano de 2010 como início de sua consolidação, com a passagem de iniciativas pontuais para um processo de planificação estratégica, orientado pelo pela Primeira Conferência Internacional sobre o Futuro da Língua Portuguesa no Sistema Mundial, o Plano de Ação de Brasília, e os projetos dele decorrentes.
Sinalizou acontecimentos recentes que devem ter um impacto positivo no andamento dos trabalhos do IILP. Um deles é a eleição do novo diretor executivo do IILP, João Laurentino Neves em janeiro de 2023. Conforme o estatuto do órgão, a cada dois anos, e em ordem alfabética, um Estado membro indica um nome para ocupar o cargo de diretor em mandato bienal, cuja candidatura deve então ser aprovada pelo Conselho de Ministros. Lilian indicou ver com bons olhos a indicação, posto que Portugal tem uma política linguística consolidada, que é prioridade para o país, o que confere solidez ao trabalho. Da primeira reunião realizada com Neves, ressaltou a grande expectativa pelas contribuições do Brasil em contexto de mudança governamental.
Em segundo lugar, revelou a importância da mudança de prioridades da política externa brasileira, que volta a enfocar-se na cultura e nas relações com os países africanos, sendo a recriação do Ministério da Cultura um importante passo para o fortalecimento do trabalho interministerial. No entanto, expôs a necessidade de se reinstalar a Comissão Nacional do Brasil no IILP, que foi afetada pelo Decreto 9.759, de 11 de abril de 2019, por meio do qual o Governo de Jair Bolsonaro extinguiu de forma massiva os colegiados da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, dificultando, ainda, a proposição e estabelecimento de novos comitês ou comissões. Relatou que, desde então, a participação brasileira no IILP foi feita por comissão ad hoc, coordenada pelo professor Nelson Viana, da UFSCar. Segundo explicou Lilian, a comissão original (Portaria Interministerial nº 12 de 15/08/2013/MRE), que reunia representantes do Ministério da Cultura, Ministério da Educação, UNILAB, Academia Brasileira de Letras, entre outros, deverá ser repensada nacionalmente para atender ao novo cenário institucional, às novas diretrizes da política externa e aos projetos que se pretende realizar no âmbito do IILP.
Quanto aos princípios de trabalho que norteiam a atuação do Brasil na promoção e difusão da língua portuguesa e sua projeção dentro do IILP/CPLP, a Sec. Lilian Pinho destacou três – o pluricentrismo, o bilinguismo e o trabalho em rede – com diferentes graus de desenvolvimento. Dentre estes, ressaltou que o pluricentrismo é uma concepção linguística e política presente desde a origem do Instituto, destinada à valorização em caráter igualitário das diferentes variantes da língua portuguesa e da riqueza cultural e linguística de cada membro da CPLP, a fim de combater preconceitos sociolinguísticos derivados da hegemonia de uma norma linguística sobre outra. A vitalidade do princípio revela-se, por exemplo, na Declaração de Luanda (2021), em que os países “reafirmaram o caráter pluricêntrico da língua portuguesa e reiteraram a sua importância como veículo multicultural e multiétnico na promoção da paz e do diálogo em todos os continentes, reconhecendo o contributo multidimensional que poderá dar ao mundo” (CPLP, 2021).
A diplomata reconheceu, porém, que as ações práticas para materializar esse princípio ainda são incipientes. A mais importante delas, destacou, é o Curso de Formação de Professores de Português como Língua Pluricêntrica, cuja segunda edição – a primeira aberta ao público em geral, após uma edição inaugural privativa a nomes indicados pelas Comissões Nacionais do IILP, a fim de assegurar a participação de professores de todos os Estados-membros da CPLP – contou com 770 inscrições para preenchimento de 150 vagas.
Com relação ao bilinguismo, mencionou tratar-se de uma abordagem recente da política externa brasileira, que tem buscado estreitar as relações de cooperação e intercâmbio para a promoção conjunta entre o português e o espanhol. Uma dessas frentes de trabalho é a participação do Brasil na Conferência Internacional das Línguas Portuguesa e Espanhola (CILPE), assim como o estímulo a um envolvimento do IILP/CPLP neste contexto. A primeira edição da CILPE foi realizada em novembro de 2019, em Lisboa; e a segunda foi sediada em Brasília em fevereiro de 2022 com o tema “Línguas, Cultura, Ciência e Inovação”. O MRE e a OEI lideraram a organização, e a CPLP esteve entre as instituições parceiras (OEI, 2023). Outra iniciativa nesse sentido foi a troca de status de observador entre a CPLP e a Secretaria-Geral Ibero-Americana. A XXVIII Cúpula Ibero-Americana de Chefes de Estado e de Governo, decorrida entre 24 e 25 de março de 2023, na República Dominicana, atribuiu a categoria de Observador Consultivo à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Por sua vez, a Conferência Ibero-Americana adquiriu a categoria de Observador Associado da CPLP na XIII Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da CPLP em julho de 2021 (Secretariado Executivo da CPLP, 2023).
A diplomata também salientou a importância do trabalho em rede para a política linguística brasileira e sua projeção internacional, buscando a colaboração com outros órgãos do governo, instituições da sociedade civil, universidades, especialistas e professores. Nesse sentido, assinalou o aniversário de 70 anos do Programa Leitorado Brasileiro – agora Leitorado Guimarães Rosa – que financia leitores brasileiros para atuarem em Instituições de Ensino Superior Estrangeiras (IES) no ensino e promoção da língua portuguesa e da literatura e cultura brasileiras. Segundo comentou a Sec. Lilian, desde 2021 a rede de Leitores brasileiros, sediados em diferentes partes do mundo, organiza o “Simpósio Conecta Leitores”, como forma de fortalecer a atividade do programa e o intercâmbio de experiências entre seus participantes. Em 2023, por proposta do MRE, o Simpósio será trazido para o âmbito da CPLP, a fim de dar visibilidade a um trabalho que vem sendo feito há décadas pelo Brasil e que contribui para o mandato do IILP. Essa medida também busca reaver a dimensão política da promoção do idioma, que vem sofrendo um apagamento, segundo avaliou Lilian. Exemplo disso é que frequentemente as vagas do Edital da CAPES para o Programa Leitorado não são preenchidas, sinalizando o desconhecimento da população e da própria comunidade acadêmica sobre sua existência e finalidade. Com este impulso do Brasil, a expectativa é contribuir para o aperfeiçoamento da gestão compartilhada e transnacional da língua portuguesa, que é um dos fundamentos para a atuação do IILP/CPLP.
Ao longo da conversa, ficaram patentes os desafios a superar para que os Planos de Trabalho do IILP e seu mandato como organismo da CPLP para promoção e difusão da língua portuguesa se concretizem. Tanto no contexto brasileiro como regional, a ação cultural externa – incluída a política linguística – persiste entre as áreas com menos recursos humanos e financeiros e com menor visibilidade e reconhecimento por parte da sociedade civil. Além disso, da parte brasileira, tem-se pela frente o trabalho de restituição da Comissão Nacional para o IILP e seu reposicionamento no marco das prioridades de política externa do novo governo. Por outro lado, o prognóstico é positivo para o fortalecimento do pluricentrismo, do bilinguismo e do trabalho em rede desde um posicionamento mais ativo do Brasil nos próximos anos.
2. Para seguir debatendo
Todos os Estados partes da CPLP são multilíngues, ainda que em situações muito diversas. Há países em que o português é uma dentre outras línguas oficiais; outros em que apesar do status de língua oficial, quase não é utilizado na comunicação cotidiana (Brito, 2015); e, em todos, convive com uma diversidade de línguas regionais e locais. Nesse contexto, são compreensíveis as críticas a partir da sociolinguística e das teorias pós-coloniais sobre a reprodução da hegemonia da língua portuguesa, indissociável do passado colonial que a deixou como legado (Balosa, 2022).
O pluricentrismo como princípio constitutivo do IILP e da CPLP busca superar essa associação entre língua portuguesa e colonialidade, respeitando as variantes nacionais, regionais e locais do idioma e sua inserção em contextos multilíngues. Embora os Planos de Ação de Brasília (2010), Lisboa (2013) e Díli (2016) reconheçam e celebrem o multilinguismo, o fazem da perspectiva centrada no português: preocupam-se em refletir sobre as formas de ensino e gestão da língua portuguesa em convivência com outras línguas. Ademais, no Plano de Ação de Praia (2021), o multilinguismo não é mencionado.
Por outro lado, a língua portuguesa é vista como idioma de contato, ponte, comunicação, ou colaboração entre nações separadas por oceanos. É ela que permite a constituição de uma organização intercontinental para a cooperação regional e a concertação política destinada a trazer a novos termos relações entre países marcados pela história colonial e suas violências materiais e simbólicas. Sua adoção em contextos internacionais pode ser lida, inclusive, como forma de resistência ao predomínio do inglês e do francês na diplomacia e na política multilateral.
Destarte, as discussões sobre o multilinguismo se conectam ao pluricentrismo e o aprofundam. Demanda, porém, uma reflexão pendente no desenvolvimento do IILP e da CPLP. Reflexão, é certo, que não depende só dos tomadores de decisão, mas de um envolvimento ativo da sociedade civil. Que CPLP queremos? Como possível campo de indagações, poderíamos investigar as relações entre a política linguística e a cooperação cultural, e, particularmente, o trabalho da Comissão de Patrimônio Cultural da CPLP, criada em 2017 pela X Reunião de Ministros da Cultura da CPLP (CPLP, 2017), uma vez que no âmbito do patrimônio cultural imaterial tem-se a diversidade linguística como uma vertente de valorização e reconhecimento.