XIII Cúpula da CPLP, Luanda, julho de 2021. Fonte: CPLP

Hoje com nove membros, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa foi fundada em 1996 por Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe visando gerar atração e alinhamento pelo idioma comum. O Timor-Leste tornou-se o oitavo membro em 2002, após sua segunda declaração de independência; e a Guiné Equatorial tornou-se o nono em 2014, após um processo bastante conturbado que durou mais de uma década. Em 2021, a organização comemorou seus 25 anos em meio à crise planetária ocasionada pela COVID-19. Embora as celebrações tenham sido modestas, o tom da XIII Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP, realizada em Luanda, em 17 de julho, foi ambicioso, com a aprovação de acordos que fortalecem as bases materiais da comunidade, incluindo a circulação de pessoas e de capitais (Cahen, 2017). Entre eles, ressalta-se a Resolução sobre a criação do novo objetivo geral da CPLP, “Cooperação Econômica”, que deverá alterar a estrutura de três pilares que se havia mantido inalterada desde a sua fundação (Marques, 2022): 1) A concertação política e diplomática, principalmente para a consolidação de posicionamentos comuns em fóruns multilaterais; 2) A cooperação regional em áreas prioritárias para os Estados partes, como defesa, justiça, educação, saúde, ciência e tecnologia, e cultura; 3) A promoção e difusão da língua portuguesa (CPLP, 2007). 

Os acordos da XIII Conferência representam mais um passo no processo gradual de expansão de escopo e profundidade (Börzel, 2011) da regionalização entre os países de língua oficial portuguesa. Nesse sentido, a CPLP é um interessante caso de organização geocultural (Durez, 2014; Marques, 2022) que extravasa o próprio conceito. Isto é, se no tocante à narrativa fundacional se trata de uma organização que reúne nove Estados não contíguos com laços históricos, culturais e linguísticos comuns na missão de estabelecer “um diálogo pluricontinental português” (Marques, 2022, p. 7), na prática se expande para além da cooperação cultural e linguística e abarca uma gama cada vez maior de temáticas, como por exemplo justiça e defesa. 

Nesse aspecto, favorece a hipótese de que a diplomacia cultural pode contribuir para a criação de confiança e de agenda positiva de cooperação, inclusive, entre países com relações diplomáticas inicialmente tensas (Ang et al., 2015). Por outro lado, a multiplicação de áreas tem implicado uma relativização do objetivo de promoção e difusão da língua portuguesa. Somam-se a isso outros fatores críticos, como a pouca visibilidade desse tema nas relações internacionais (teórica e prática) e os questionamentos desde as abordagens pós-coloniais que sugerem, por exemplo, a adoção de políticas de multilinguismo a fim de romper com a hegemonia da língua portuguesa (Balosa, 2022).

Tendo por horizonte a realização da XIV Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP ainda este ano, em cenário de arrefecimento da pandemia e do início do Governo de Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil – cujos precedentes apontam para a valorização da cooperação cultural e linguística – este artigo busca estimular a visibilidade e o debate sobre o terceiro pilar originário da CPLP. Para isso, iniciamos este artigo apresentando um breve histórico da criação da CPLP, destacando o papel fundacional do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), e a liderança brasileira para sua constituição. 

O IILP: antecessor da CPLP

Nas duas décadas que antecederam a criação da CPLP, deu-se um processo de reacomodação das relações diplomáticas entre Portugal e suas ex-colônias, sem o qual não teria sido possível fundar a organização. Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde conquistaram sua independência política entre os anos de 1974 e 1975, após longos processos de luta anticolonial coincidentes com a emergência da Revolução dos Cravos, em Portugal, que derrubou a ditadura de António de Oliveira Salazar em abril de 1974. O Brasil, que se encontrava sob ditadura militar, manteve-se alinhado a Portugal até o início dos anos 1970. Durante o governo Geisel (1974 a 1979), essa postura se modificou numa reorientação de política externa conhecida como “Pragmatismo Ecumênico e Responsável” (Spektor, 2004), que buscava ampliar relações com parceiros estratégicos, relativizando a importância dos posicionamentos ideológicos em benefício de interesses econômicos e políticos. Assim se explica porque, mesmo sob governo autoritário de direita, o Brasil foi um dos primeiros a reconhecer as independências de Angola e Guiné-Bissau (1974) e Moçambique (1975), a despeito da orientação marxista dos seus movimentos de libertação (Spektor, 2004).

Até 1992 e 2002, respectivamente, Moçambique e Angola continuaram envolvidos em guerras civis e, a seguir, em seus processos de pacificação e reconstrução nacional. O tensionamento nas relações entre Portugal e Angola continuou sendo um padrão recorrente após o conflito civil, com a aberta oposição angolana ao legado do colonialismo português e quaisquer iniciativas que pudessem ser interpretadas como uma reedição (Cahen, 2017). Nesse contexto e, com o avanço do seu processo de redemocratização, coube ao Brasil assumir um papel ativo no fortalecimento das relações entre os países lusófonos. Além disso, o fim da Guerra Fria permitiu despolarizar as relações que até então opunham Portugal e Brasil no bloco capitalista e os PALOPs no campo soviético.

Em 1º de novembro de 1989, a convite do presidente brasileiro José Sarney, ocorreu o primeiro encontro dos Chefes de Estado e de Governo dos países de Língua Portuguesa, com a presença de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe na cidade de São Luís do Maranhão, quando ficou acordada a criação do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) (Secretariado Executivo da CPLP, 2014). O interesse brasileiro alinhava-se à crescente importância das temáticas culturais na política nacional e externa, com a criação do Ministério da Cultura em 1985, ocupado por José Aparecido de Oliveira, que posteriormente seria Embaixador do Brasil em Lisboa (1992 – 1994), e forte impulsor da criação da CPLP (Léonard, 1995). 

O IILP, no entanto, só se concretizou em 1999, durante a VI Reunião Ordinária do Conselho de Ministros da CPLP em São Tomé e Príncipe, quando foram aprovados seus estatutos e a escolha de Praia, Cabo Verde como sede, então instalada em 2002  (Secretariado Executivo da CPLP, 2014). A decisão sobre a localização do IILP representava um descentramento geográfico em relação ao Secretariado Executivo da CPLP – sediado em Lisboa – e a dinâmica horizontal, plural e participativa que o Instituto deveria adotar na promoção e difusão da língua portuguesa (Muller de Oliveira, 2019). Apesar do intervalo entre a proposta e a instalação do IILP, o acordo de 1989 é considerado o gérmen da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (Secretariado Executivo da CPLP, 2014). 

Em 2005, a CPLP integrou o IILP em sua estrutura institucional, e atualizou o seu estatuto (Muller de Oliveira, 2019). O organismo continuou dotado de autonomia científica, administrativa e patrimonial e sua Assembleia Geral passou a denominar-se Conselho Científico (CC-IILP) (CPLP, 2010b). Neste colegiado, cada Estado parte é representado por uma Comissão Nacional, que, para atender aos objetivos do organismo, não deve ser só política, mas também técnico-científica. Ademais, 2005 marcou a inclusão regular do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 como tema das Reuniões do Conselho Científico, o que permitiu elevar o nível dos debates, e visibilizar as divergências entre as posições portuguesa e brasileira e as assimetrias entre estas e os outros membros da CPLP, processo que merece um artigo à parte. 

Casa Cor-de-Rosa, Sede do IILP, na Cidade da Praia, Cabo Verde. Fonte: Blog do IILP

Até 2010, a história do IILP foi marcada pelos esforços de instalação, consolidação institucional e financiamento, com atrasos e descumprimentos nas contribuições dos Estados membros (Muller de Oliveira, 2019). Em março daquele ano, realizou-se a I Conferência Internacional sobre o Futuro da Língua Portuguesa no Sistema Mundial (CIFLPSM) em Brasília, por mandato da CPLP e organizada pelo Itamaraty, a qual culminou na aprovação do Plano de Ação de Brasília para a Promoção, Difusão e Projeção da Língua Portuguesa (PAB) (CPLP, 2010). Pela primeira vez um documento multilateral atribuiu ao IILP tarefas consensuadas e programáticas, aprovadas em seguida pela VIII Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP, em Luanda. (Muller de Oliveira, 2019).

O PAB está composto por seis eixos estratégicos: 1. Língua portuguesa nas organizações internacionais; 2. Promoção e difusão do ensino da língua portuguesa; 3. Estado de desenvolvimento do Acordo Ortográfico; 4. Difusão pública da língua portuguesa; 5. Língua portuguesa nas diásporas; 6. Participação da Sociedade Civil (CPLP, 2010). Para cada eixo foram definidas ações estratégicas, a serem lideradas pelo IILP ou desenvolvidas por cada Estado parte. Destas, destacamos duas cujo impacto segue crescendo. A primeira é o Portal do Professor de Português Língua Estrangeira/Língua Não Materna (PPPLE), plataforma online que oferece recursos para o ensino e a aprendizagem do português desde uma visão plural, com Unidades Didáticas (UD) adaptadas às variantes do português dos diferentes países, disponíveis para uso e modificação sob licença creative commons. Até janeiro de 2019, o PPPLE tinha 557 UDs e mais de 11.994 professores inscritos, sendo amplamente utilizado em várias regiões do mundo (Muller de Oliveira, 2019). A segunda é o Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa (VOC), que reúne digitalmente os diferentes vocabulários ortográficos nacionais (VONs), a fim de consolidar um léxico comum sem apagar as especificidades de cada Estado parte. 

Desde 2010, ficou estabelecido que a CIFLPSM deveria realizar-se a cada 3 anos e resultar na atualização ou aprovação de novo plano de ação para promoção e difusão da língua portuguesa. A II Conferência ocorreu em Lisboa, no ano de 2013, resultando no Plano de Ação de Lisboa para a Promoção, a Difusão e a Projeção do Português (PALis). Coorganizada pelo IILP, o Instituto Camões e um consórcio de universidades portuguesas, a II CIFLPSM enfatizou a internacionalização científica da língua portuguesa e seu papel no empreendedorismo e inovação, aprofundando, ademais, os eixos estratégicos do PAB (CPLP, 2014). A III edição da CIFLPSM foi organizada pela Comissão Nacional de Timor Leste junto ao CC-IILP na capital do país, em julho de 2016, culminando no Plano de Ação de Dili, bastante mais modesto que os anteriores (CPLP, 2017b). Não obstante, a III Conferência tem o mérito de haver deslocado os debates para a Ásia e definido que a IV CIFLPSM deveria realizar-se em um PALOP “de modo a evidenciar o caráter global e plural da língua portuguesa” (CPLP, 2017b).

Organizada por Cabo Verde nos dias 26, 27 e 28 de maio de 2021, a IV Conferência não pode ser realizada presencialmente. Os debates por videoconferência resultaram na aprovação do Plano de Ação de Praia (CPLP, 2021), que segue a lógica sintética de Dili, à diferença dos ambiciosos e fundantes Planos de Brasília e Lisboa. Na intersecção da promoção da língua com outros setores continuaram tendo destaque, por um lado, a ciência, a pesquisa e a inovação e, por outro a economia, com a sinalização de campos emergentes como a digitalização e as econômicas criativas (CPLP, 2021). A fim de compreender melhor o posicionamento atual do Brasil no campo da difusão e promoção da língua portuguesa e sua atuação no IILP/CPLP, conversamos no dia 30 de março com a Sec. Lilian Pinho, Chefe da Divisão de Língua Portuguesa (DLP) do Instituto Guimarães Rosa, Ministério das Relações Exteriores. Os resultados dessa conversa serão publicados na Parte II deste artigo, na próxima terça-feira, 02 de maio. 

Referências bibliográficas

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Balosa, D. M. (2022). The relationship between Portuguese and indigenous languages in the Community of Portuguese Language Countries: an existential sociolinguistics perspective. Conjuntura Austral, 13(63), 13–28.

Börzel, T. A. ,. (2011). Comparative Regionalism: A New Research Agenda (No. 28; KFG Working Paper Series). https://nbn-resolving.org/urn:nbn:de:0168-ssoar-374751.

Cahen, M. (2017). 1996-2016 – A CPLP, Uma organização para quê? Portuguese Studies Review – Exploring the Crossroads and Perspectives of Lusophone Studies, 23(1), 67–96. https://shs.hal.science/halshs-02470548/

Durez, A., D. (2014). Las organizaciones geoculturales latinas en la mundialización: entre convergencia y concurrencia. Desafios, 26(2), 125–152. https://doi.org/10.12804/desafios26.02.2014.05

Léonard, Y. (1995). La “communauté des pays de langue portugaise”, ou l’hypothétique lusophonie politique. Http://Journals.Openedition.Org/Lusotopie, II, 9–16. http://journals.openedition.org/lusotopie/84.

Marques, J. (2022). CPLP: the first twenty-five years. Conjuntura Austral, 13(63), 7–12. https://www.seer.ufrgs.br/index.php/ConjunturaAustral/article/view/126880
Muller de Oliveira, G. (2019). O Instituto Internacional da Língua Portuguesa da CPLP. Linha D’Água, 32(2), 11–36. https://doi.org/10.11606/issn.2236-4242.v32i2p11-36

Secretariado Executivo da CPLP. (2014). CPLP 18 Anos – Os desafios do futuro. Disponível em: https://www.cplp.org/Admin/Public/DWSDownload.aspx?File=%2fFiles%2fFiler%2fcplp%2fDesafios_Futuro_Final.pdf

Spektor, M. (2004). Origens e direção do Pragmatismo Ecumênico e Responsável (1974-1979). Revista Brasileira de Política Internacional, 47(2), 191–222. https://doi.org/10.1590/S0034-73292004000200007

Documentos e notícias

Comunidade dos Países de Língua portuguesa. CPLP (2021). Declaração da XIII Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP. 17 de julho de 2021. Disponível em: https://www.cplp.org/id-4447.aspx?Action=1&NewsId=9207&M=NewsV2&PID=10872.

Comunidade dos Países de Língua portuguesa. CPLP (2007). Estatutos da Comunidade dos Países de Língua portuguesa. Revisão de Lisboa, 2 de novembro de 2007. Disponível em: https://www.cplp.org/Files/Filer/Documentos%20Essenciais/Estatutos_CPLP_REVLIS07.pdf.

Comunidade dos Países de Língua portuguesa. CPLP (2010). Plano de Acção de Brasília para a Promoção, a Difusão e a
Projecção da Língua portuguesa. VIII Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP. Luanda, 23 de julho de 2010. Disponível em: https://www.cplp.org/Admin/Public/DWSDownload.aspx?File=%2fFiles%2fFiler%2fcplp%2fCCEG%2fVIII_CCEG%2fPDFs%2fDocs+finais+cimeira%2fPAB.pdf

Comunidade dos Países de Língua portuguesa. CPLP (2010b). Resolução sobre a Aprovação dos Estatutos e do Regimento Interno do Instituto Internacional da Língua portuguesa. VIII Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP, XV Reunião Ordinária do Conselho de Ministros, Luanda, 22 de Julho de 2010. Disponível em: https://www.cplp.org/Admin/Public/DWSDownload.aspx?File=%2fFiles%2fFiler%2fcplp%2fCCEG%2fVIII_CCEG%2fPDFs%2fDocs+finais+cimeira%2fActs%2f3_IILPact28jul.pdf.

Comunidade dos Países de Língua portuguesa. CPLP (2017b). Resolução sobre o Plano de Ação de Díli. XXII Reunião Extraordinária do Conselho de Ministros da Comunidade dos Países de Língua portuguesa. Brasília, 20 de julho de 2014. Disponível em: https://www.gov.br/mre/es/media/cplp-09.pdf

Comunidade dos Países de Língua portuguesa. CPLP (2014). Resolução sobre o Plano de Ação de Lisboa. XII Reunião Extraordinária do Conselho de Ministros da Comunidade dos Países de Língua portuguesa. Maputo, 20 de fevereiro de 2014. Disponível em: https://www.cplp.org/Files/Billeder/cplp/1-Resol_PALis.pdf.

Ministério das Relações Exteriores do Brasil. MRE (2021). Exposição sobre Diversidade Cultural Marca 25 anos da CPLP. 24 de junho de 2021. Disponível em: https://www.gov.br/mre/pt-br/abc/centrais-de-conteudo/noticias/exposicao-sobre-diversidade-cultural-marca-25-anos-da-cplp.

Escrito por

Giulia Ribeiro Barão

Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Porto Alegre, Brasil, 2013), Mestre em Cultura de Paz pela Universidade de Cádiz (Espanha, 2019) com bolsa da Associação Ibero-Americana de Pós-Graduação (AUIP) e Mestre em Estudos Latino-Americanos pela Universidade de Salamanca (Espanha 2018) com bolsa da Fundação Carolina/Banco Santander. Possui especialização em Relações Culturais Internacionais (CAEU/OEI, 2015) e Epistemologias do Sul (CLACSO, 2017). É doutoranda em Ciências Sociais - Estudos Comparados sobre as Américas pela Universidade de Brasília, Brasil, em Cotutela com o Doutorado em Ciências Sociais da Universidade de Salamanca, Espanha. Membro do Núcleo de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Brasília e do Observatório do Regionalismo - ODR desde 2021. Possui experiência acadêmica e profissional na Espanha, Colômbia, República Dominicana e Brasil, principalmente em cooperação internacional, internacionalização de políticas públicas e organizações regionais na América Latina e Caribe, com ênfase nas áreas de comunicação, cultura e patrimônio cultural.