No primeiro domingo do mês, dia 01 de março de 2020, Luis Lacalle Pou tomou posse como presidente uruguaio e, considerando a atual conjuntura sul-americana, faz-se necessário tecer breves comentários sobre o que isso representa tanto para o país quanto para a relação com seus vizinhos e como possivelmente impactará os processos regionais, notadamente o Mercado Comum do Sul (Mercosul).

Diversas mídias noticiaram a eleição de Pou como “um novo ciclo” na política uruguaia, porque coloca fim a 15 anos de governo da Frente Ampla, considerada uma coligação mais voltada à esquerda e representadas por figuras como José Pepe Mujica e Tabaré Vázquez, tendo sido este, inclusive, quem transmitiu a faixa presidencial na data em questão. De fato, representa um momento de ruptura, uma vez que Pou é do Partido Nacional de signo da (centro-)direita. Todavia, vale destacar que ele é filho de Luis Alberto Lacalle, presidente uruguaio entre 1990 e 1995, que por sua vez é neto de Luis Alberto de Herrera, que foi um histórico líder do próprio Partido Nacional. Ou seja, Pou é um político novo em idade e em termos de ciclo político-partidário por se opor à Frente Ampla, mas de modo inverso representa os anseios gerais e bem conhecidos da direita uruguaia.

Em relação às dimensões internacionais tanto da Frente Ampla quanto do Partido Nacional, vale recuperar a entrevista de Camilo Burian publicada aqui no Observatório de Regionalismo (ODR) em novembro de 2019. Na ocasião o professor disse que, antes das eleições, tanto Vázquez quanto Pou eram dois candidatos de difícil mensuração em termos de agenda de política externa. Enquanto o primeiro pode ser enquadrado em um “ponto de equilíbrio” mais progressista ora com visões mais liberalizantes, ora com posturas voltadas à ressignificação da soberania nacional, Pou é conservador e, junto ao Partido Nacional, representa uma ala similar à agenda de Paulo Guedes, atual ministro da Economia no Brasil, ou seja, nitidamente liberal em termos de privatizações.

Conforme destaca Burian: “[…] se vocês quiserem saber como é o pensamento da centro-direita uruguaia frente à integração e frente à política da região repassem o discurso do Serra na sua ascensão ao Itamaraty.” José Serra assumiu o Ministério das Relações Exteriores no Brasil em maio de 2016 e, no seu discurso inaugural, evidenciou dez diretrizes às relações internacionais. Na ocasião, as palavras soaram como um ataque direto à política externa que vinha sendo colocada em pauta até então, enfatizando que “A política externa será regida pelos valores da nação jamais de um partido”, seja ele o Partido dos Trabalhadores. Além mais, Serra criticou o multilateralismo da Organização Mundial do Comércio (OMC) e disse que as relações bilaterais aconteciam “em todo o mundo”. Já era premeditado nesse período uma mudança em termos de como a integração regional no Mercosul seria gerida, cada vez mais se aproximando das preferências por relações bilaterais em si e enfraquecendo as diretrizes de união aduaneira, mesmo que imperfeita.

E é exatamente esses ditames descritos acima que possivelmente perfazerão a política externa uruguaia de Pou, inclusive em relação ao regionalismo. Em sua cerimônia de posse em que estiveram presentes presidentes dos vizinhos Brasil, Chile, Colômbia e Paraguai, além do rei da Espanha, o que não é meramente simbólico, Pou afirmou que “não deve importar a ideologia política de cada membro do Mercosul”. Conforme mencionado no artigo de Lucas Eduardo de Souza aqui no ODR nas últimas semanas, a palavra “ideologia” é sempre citada em discursos, atos e entrevistas dos mais diversos líderes nacionais. No caso específico brasileiro com Jair Bolsonaro – e aqui afirmamos que pode ser o caso de Pou –, isso implica em dizer que o governo é neutro, racional e técnico. Só que na prática sabemos que não é assim…

Pois é provável que Pou utilize esse argumento para se contrapor aos governos da Frente Ampla. Além de defender medidas como flexibilização do Mercosul – o que é algo similar proposto por Serra –, o presidente teceu sérias críticas à União Sul-Americana de Nações (UNASUL) e deu estímulo ao acordo entre o Mercosul e a União Europeia. Quais serão as possíveis consequências da sua eleição nesse sentido? Em primeiro lugar, reforçar o signo político dessa “nova direita” na América Latina, trazendo o discurso de que a “onda rosa” de partidos de esquerda enfraqueceu a região nas últimas décadas. Em segundo, sustentar parcerias bilaterais, relativizando o próprio Mercosul e estimulando laços com países europeus e norte-americanos. O papel do Brasil de Bolsonaro será crucial para o Uruguai dentro do bloco, uma vez que a Argentina é governada por Alberto Fernandéz do Partido Justicialista e tem como vice Cristina Kirchner, publicamente oposta ao atual governo brasileiro. Por fim, fortalecer o Foro para o Progresso da América do Sul (PROSUL). Sobre este último vale dizer que Vázquez não havia assinado a Declaração de Santiago em março de 2019, opondo-se a esse movimento.

Em suma, embora as diretrizes políticas nacionais e eleitorais impactem diretamente os rumos da integração regional, como apontado por Bárbara Neves novamente aqui no ODR, é bem provável que a eleição de Pou seja mais uma novidade dentro do Uruguai do que em nosso regionalismo. Nesse sentido, ele representará o processo em curso de uma dita “nova política”, mas que reforça determinados signos políticos tanto no âmbito nacional quanto no Cone Sul. No Uruguai, reitera a visão de (centro-) direita já historicamente esquematizada. E no entorno regional reforça o ressurgimento do regionalismo aberto, com pautas integracionistas voltadas ao comércio, mas desta vez com um nítido viés de diminuição da institucionalização dos blocos.

Escrito por

Cairo Junqueira

Professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal de Sergipe (DRI/UFS). Doutor em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP). Mestre em Relações Internacionais, com ênfase em Política Internacional e Comparada, pela Universidade de Brasília - Instituto de Relações Internacionais (UnB/IREL). Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Estadual Paulista - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais de Franca (UNESP/FCHS). Foi Pesquisador Visitante junto à Facultad de Ciencias Sociales de la Universidad de Buenos Aires (UBA) - PPCP/Mercosul/CAPES. Atualmente é membro do Observatório de Regionalismo (ODR) vinculado à Rede de Pesquisa em Política Externa e Regionalismo (REPRI) e do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPPs), além de ser colaborador do Projeto de Extensão "Internacionalização Descentralizada em Foco" (IDeF). Por fim, é coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Política Internacional e Sul-Americana (GP-SUL) com as seguintes linhas de interesse: Instituições Internacionais, Integração Regional e Paradiplomacia.