O Acordo entre União Europeia (UE) e Mercosul já vinha sendo negociado pelos blocos desde o final da década de 1990. No final de junho de 2019 foi fechado o acordo de livre comércio entre os dois blocos, os quais juntos representam ¼ do PIB mundial[1], ainda que as previsões sejam de até 2 anos para o documento entrar em vigor, já que a aprovação depende do aval de 33 parlamentos. A assinatura do acordo deu um novo fôlego no âmbito interno e externo dos países do Mercosul. Esse artigo busca apresentar, ainda que de forma inicial, o panorama da questão ambiental frente ao avanço do acordo entre esses dois blocos.
Há uma grande especulação acerca do tema e dos possíveis impactos econômicos para o comércio, especialmente para determinados setores, como o caso do agronegócio brasileiro. Ainda no final de junho, antes do início do G-20, Angela Merkel, chanceler da Alemanha, havia criticado a política ambiental do atual governo brasileiro e após ser noticiado que o documento havia sido fechado entre os blocos, ONGs e partidos ambientalistas europeus consideraram inaceitável o acordo entre os blocos[2]. Nos últimos dias, na França, as pressões por parte dos agricultores, ambientalistas e ministros do governo francês se acirraram para que o país rejeite o acordo de livre-comércio[3]. Ainda na França, Emmanuel Macron, atual presidente, expos que a adesão do país ao acordo é condicionada a permanência do Brasil no Acordo de Paris[4]. É possível que tal rejeição se deva ao protecionismo europeu, especialmente, do setor agrícola francês frente a competitividade com os produtos sul-americanos que, segundo eles, não passam por processos de produção e cultivo rigorosos em termos ambientais como os de origem europeia.
O caminho conjunto do meio ambiente e comércio não é novo dentro do Mercosul. No ano de 2002, foi aprovada a criação das “Pautas Negociadoras do Subgrupo de Trabalho 6 (SGT-6) ”, uma instância composta por especialistas dos países do Mercosul em meio ambiente. Essas pautas incorporadas na agenda de trabalho do Subgrupo eram: medidas não-tarifárias para meio ambiente; temas setoriais, que envolvem diversos tópicos específicos; implementação do Acordo Quadro de Meio Ambiente; formulação e implementação do Sistema de Informação Ambiental do Mercosul (SIAM) e acompanhamento das agendas internacionais (MERCOSUR, 2006)[5].
A criação dos tópicos engessou a agenda ambiental do bloco e demonstra a percepção deque uma maior atenção para o tema seria elemento facilitador de vantagens competitivas ao se firmarem negociações e acordos com outros países e blocos, o que pode ser percebido pelas atas recentes do Subgrupo, as quais contemplam o meio ambiente inserido nas negociações do Acordo com a União Europeia. Nos últimos anos, as instâncias ambientais têm enfatizado medidas como o Econormas Mercosur[6], em parceria com a União Europeia, que teve por objetivo o enlace entre crescimento econômico e gestão sustentável, maior robustez da proteção ambiental, bem como maior segurança dos produtos negociados. Há, em projetos como esse, que teve a União Europeia como membro observador e financiador, a percepção de que é necessário criar um maior nivelamento normativo entre os países-membros e associados.
Os termos do acordo ainda não parecem claros e vem sendo alvo de críticas em razão da falta de transparência e diálogo com os setores envolvidos. O Brasil, grande entusiasta do acordo, vem sendo duramente criticado pelas decisões quanto à política para o meio ambiente, tanto doméstica quanto internacional.
Deve-se ponderar que, apesar de uma agenda dentro do bloco mercosulino para uma maior harmonização na temática ambiental entre os países, não se identifica uma política ambiental única, à exemplo de um marco legal entre os países do bloco[7]. E essa verdadeira política ambiental mercosulina é algo fundamental ao se pensar em um acordo do porte do negociado com a UE. Há, também, as dúvidas não só quanto aos padrões sul-americanos para os produtos negociados, mas, também, quanto a preservação e sustentabilidade dentro dos países do Mercosul, no qual, questões como o aumento do desmatamento, por exemplo, devem ser ponderadas. A França afirmou a ratificação do acordo dependia do respeito brasileiro aos seus compromissos para o desmatamento[8]. Se as dúvidas permanecem dentro entre setores chave envolvidos nesse acordo, a questão ambiental, secundária dentro das negociações e muito atrelada aos termos práticos de comércio, permanecem abertas. No entanto, resta o questionamento se o acordo Mercosul- UE será o principal meio de conter as políticas antipreservacionistas do atual governo brasileiro[9]
*Este artigo  foi feito em coautoria com Isabela Battistelo Espíndola, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em  Geografia Humana da Universidade de São Paulo (USP).
[5] MERCOSUR. Secretaria del MERCOSUR. Relevamiento n.001/06. Medio Ambiente en el MERCOSUR. Montevideo, Uruguay, 2006.
[7] OLIVEIRA; ESPÍNDOLA (2015). Harmonização das normas jurídicas ambientais nos países do MERCOSUL. Ambiente e Sociedade, v. XVIII, nº4, p.1-18, out-dez 2015.
 
 

Escrito por

Maria Luísa Telarolli

Mestre em Relações Internacionais pelo Programa de Pós- Graduação UNESP, Unicamp e PUC-SP "San Tiago Dantas" e doutoranda em Geografia Humana pela USP. Pesquisa recursos hídricos, governança internacional e o Aquífero Guarani, mais especificamente,o Acordo do Aquífero Guarani no MERCOSUL. Além de ser membro do Observatório de Regionalismo, também é membro do Grupo de Estudos Interdisciplinares de Cultura e Desenvolvimento (GEICD) da UNESP/ FCLar, da Waterlat - Gobacit e do Grupo de Geografia Política e Meio Ambiente do Departamento de Geografia Humana da USP.