Imagem- Fonte: mercosul-ula –

No início deste mês de fevereiro o presidente da Argentina, Maurício Macri, realizou sua primeira visita oficial ao Brasil, retribuindo a visita de Michel Temer realizada em outubro do ano passado. Entre os diversos assuntos tratados, o futuro do Mercosul surge como um dos pontos principais da reunião. Desde que Temer assumiu a presidência do Brasil, comenta-se que há um alinhamento ideológico entre os governos argentino e brasileiro, pendendo para um espectro mais liberal do processo de integração do Mercosul.

Neste sentido, inúmeras foram as discussões sobre a possibilidade de revisão do bloco, como a proposta de flexibilização de algumas de suas regras. Não obstante, entre Macri e Temer, bem como entre Susana Malcorra e José Serra (os ministros das Relações Exteriores de cada país), existe certo consenso em levar adiante as negociações comerciais do bloco. Dentre elas, a mais recorrentemente comentada são as negociações entre Mercosul e União Europeia para um acordo de associação, que se prolongam desde a década de 1990. No entanto, o Mercosul possui relações com outros blocos, bem como com diversos países. Este texto tem o intuito de mostrar, de forma geral, como são as relações exteriores do Mercosul nas Américas, Europa, Ásia e África.

No continente americano, uma das principais relações externas a ser destacada é com a Comunidade Andina (CAN), formada, naquele momento, por Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela. Em 1998, os membros do Mercosul e da CAN iniciaram as negociações para uma futura área de livre-comércio entre os dois blocos (OEA, 2017). Importante pontuar que as negociações entre os dois blocos sul-americanos se inserem no contexto de negociações da Associação Latino-Americana de Integração (ALADI)*. A ALADI permite negociações entre dois ou mais países, sem a obrigatoriedade que elas sejam feitas em conjunto.

Na medida em que as negociações entre a Comunidade e o Mercosul avançavam, diversos entraves surgiam entre os países membros de cada bloco. Os interesses nos âmbitos agrícolas e industriais eram cruzados, e os países tinham reticências em ceder em áreas menos competitivas, por exemplo, a Venezuela em relação à indústria petrolífera brasileira, e a Argentina em relação ao agronegócio brasileiro (PEREIRA, 2000). Por isso, houve uma cisão nas negociações e membros do Mercosul passaram a negociar de forma bilateral. Foi o caso do Brasil que, no âmbito da ALADI, estabeleceu Acordos de Complementação Econômica, em 1999, e o caso da Argentina, que estabeleceu o mesmo tipo de acordo em 2000. Contudo, em 2004, foi assinado um Acordo de Complementação Econômica entre os Países membros do Mercosul com a Colômbia, Equador e Venezuela, estabelecendo as bases para a formação de uma área de livre-comércio entre os blocos (COMUNIDADE ANDINA, 2016). De fora destas negociações estavam o Peru, que assinou um acordo em 2005, e a Bolívia, que já havia assinado em 1996.

O Mercosul também possui relações mais próximas com Canadá e México. No caso do Canadá, o Mercosul assinou um Acordo de Investimento e Cooperação em 1998. Em 2005, o Canadá e o Mercosul realizaram um encontro para discutir comércio e investimento e a possibilidade de um acordo entre os dois lados. Recentemente, o Ministro brasileiro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) anunciou que o acordo Mercosul-Canadá é uma das prioridades em termos de negociações externas, mas não há tratativas oficiais em andamento.

No caso do México, foi assinado um Acordo de Complementação Econômica em 2002, com o intuito de eliminar barreiras tarifárias e não-tarifárias do comércio entre as duas partes, de forma a estabelecer, no futuro, uma Área de Livre-Comércio. É um acordo formado por acordos bilaterais realizados entre os países do Mercosul junto ao México, bem como um acordo de Complementação Econômica específico do Setor Automotivo. No caso das relações com o México, é interessante ressaltar que o contexto regional se encontra bastante incerto devido à ascensão de Donald Trump nos EUA. Como já discutido no Observatório, Trump assumiu com um discurso bastante protecionista, prometendo, inclusive, rever o acordo que os EUA possuem com o México e o Canadá, o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA). Neste contexto, as tensões entre México e EUA aumentaram muito desde que o novo presidente estadunidense assumiu o cargo presidencial, tanto devido ao processo de revisão do NAFTA, como à construção de um muro na fronteira entre os dois países. Desta forma, o cenário atual apresenta um relacionamento desgastado entre México e EUA, ao mesmo tempo em que abre a possibilidade de uma maior aproximação do México com seus vizinhos da América Latina. Abre-se, portanto, um espaço para o Mercosul – sobretudo Argentina e Brasil – agirem de forma a trazer o México para a sua orla de influência (STUENKEL, 2017).

Ainda no continente latino-americano, foram realizadas conversações entre o Mercosul e a Comunidade do Caribe (CARICOM)*, a partir de 2004, com intenções de se criar  uma Área de Livre-Comércio entre as regiões. Contudo, pouco se avançou. De maneira muito semelhante, houve diálogo entre Mercosul e o Sistema de Integração Centro-Americano (SICA)* a partir de 2005, com uma Declaração Conjunta dos blocos assumindo a intenção de aumentar a integração entre as partes, mas com poucos efeitos concretos até a atualidade (OEA, 2017).

As relações externas do Mercosul no continente europeu são muito caracterizadas pelas negociações entre o Mercosul e UE. Iniciadas em 1995, com diversos momentos de entraves e retomadas, atualmente o diálogo se mantém. A última troca de ofertas entre os blocos foi realizada em outubro do ano passado, com previsão de novas reuniões para março deste ano. Mais recentemente, no dia 20 de janeiro deste ano, o Mercosul anunciou o início de negociação para um acordo de Livre-Comércio com outro bloco europeu, a Associação Europeia de Livre-Comércio (EFTA)*. Existe um diálogo entre as regiões desde 2000, mas apenas em 2015 se iniciaram os diálogos exploratórios para avaliar as possibilidades de ofertas entre as regiões. Por fim, com a consumação da saída do Reino Unido da UE, cogita-se a possibilidade de aproximação entre o país e o bloco sul-americano, contudo, devido às negociações entre Reino Unido e UE ainda estarem em andamento, uma aproximação entre Mercosul e o país britânico parece ainda distante.

Durante os anos 2000, diversas negociações foram ainda impulsionadas para a expansão dos relacionamentos externos do Mercosul em direção a países da África, da Ásia e do Oriente Médio. No caso do continente africano, destaca-se o Acordo de Comércio Preferencial realizado com a União Aduaneira da África Austral (SACU), que entrou em vigência em abril do último ano e foi impulsionado por negociações encabeçadas por Brasil e África do Sul, e o Acordo de Livre Comércio firmado com o Egito em 2010, ainda não vigente, que já foi aprovado pelo Brasil, (Decreto Legislativo nº 216/2015), e, atualmente, passa por processo de internalização pelos demais sócios do Mercosul.

O Acordo Preferencial de Comércio com a Índia foi o primeiro desta modalidade a ser celebrado com um país fora do continente americano e atualmente constitui o único acordo vigente com um país asiático, assinado em 2004 e em vigor desde junho de 2009. Por sua vez, o Acordo de Livre Comércio Mercosul-Israel, vigente desde 2010, também foi o primeiro de sua modalidade a ser firmado com um país externo ao continente americano. Sua assinatura, juntamente com o Acordo celebrado com o Estado da Palestina, reafirma o interesse dos países do Mercosul em expandir suas negociações no “Oriente Médio e no mundo árabe”.

Ainda não vigente, o Acordo de Livre Comércio Mercosul-Palestina, foi firmado em 2011 e atualmente está em fase de internalização pelos países membros (o Acordo foi enviado ao Congresso Nacional Brasileiro para ratificação em maio do último ano). Cabe destacar que o mesmo possui também valor de reconhecimento ao Estado palestino, apoiando o estabelecimento de um Estado “independente e democrático, geograficamente coeso e economicamente viável, que possa viver de forma pacífica e harmoniosa com seus vizinhos.

Existem ainda negociações iniciadas com a confecção de Acordos-Marco para a elaboração de Acordos de Livre Comércio entre o Mercosul e o Marrocos (2004), Conselho de Cooperação do Golfo – GCC* (2005), Jordão (2008), Turquia (2008), Tunísia (2014), além de reuniões de estudos iniciais com a Coreia do Sul (2005) e o recente Memorando de Entendimento de Comércio e Cooperação Econômica entre o MERCOSUL e o Líbano (2014).

A listagem não exaustiva de todos os referidos acordos, em todas as regiões do mundo, permite avaliar principalmente a relevância aportada pela cooperação Sul-Sul para o desenvolvimento e expansão das relações comerciais dos países do Mercosul. Ao passo que a contextualização destes acordos passa pelo entendimento de uma priorização política, durante os anos 2000, desta modalidade de cooperação, diretamente relacionada aos interesses brasileiros de abranger diversas regiões em sua política exterior, pode-se, contudo, afirmar que, diante de um cenário de crise econômica e possível fechamento de algumas economias, o referido alinhamento ideológico entre Brasil e Argentina nos atuais governos apresentaria potencial de fortalecimento (ainda que em um sentido econômico-liberal) das negociações do bloco. Portanto, destaca-se que a continuidade das transações Sul-Sul tende a viabilizar uma maior integração dos países do bloco com o mercado exterior, além de diversificar importações e exportações, e incentivar o desenvolvimento, tanto dos Estados membros, quanto do próprio Mercosul.

NOTAS

ALADI – criada em 1980, tem como objetivo o desenvolvimento econômico e social da região, visando o estabelecimento gradual de um mercado comum latino-americano.

CARICOM – Antígua e Barbuda, Bahamas, Barbados, Belize, Dominica, Granada, Guiana, Haiti, Jamaica, Montserrat, Santa Lúcia, São Cristóvão e Névis, São Vicente e Granadinas, Suriname, Trindade e Tobago.

SICA – Belize, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicaragua, Panamá, República Dominicana.

EFTA – Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça.

SACU- África do Sul, Namíbia, Botsuana, Lesoto e Suazilândia.

GCC- Bahrain, Kuwait, Omã, Qatar, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos

PARA MAIS INFORMAÇÕES (REFERÊNCIAS)

– Página da OEA com as relações externas do Mercosul e um breve históricos delas: http://www.sice.oas.org/Mercosur/instmt_e.asp

Referências Bibliográficas

STUENKEL, Oliver. Trump abre janela de oportunidade para maior integração na América Latina. El País. 13 de fevereiro de 2017

COMUNIDADE ANDINA. Relaciones Externas Mercosur. Comunidade Andina. 2017.

PEREIRA, Lia Valls. A Comunidade Andina e o Mercosul. Conjuntura Econômica, v. 54, n. 77, jul. 2000.

BRASIL – Negociações com o Canadá são prioridade para o Brasil, diz ministro.

FOLHA – Serra quer negociar acordos com britânicos após Brexit

EL PAÍS – No Brasil, Macri reforça aliança com Temer frente ao novo mundo de Trump

[MDIC]

Mercosul/Egito – AINDA SEM VIGÊNCIA

Mercosul/ SACU

Mercosul/ Índia

MRE.PY BOLETÍN DIARIO DE INFORMACIONES Asunción, 23 de marzo de 2010

ISRAEL MINISTRY OF FOREIGN AFFAIRS – Brazil gives final approval for free trade agreement between Israel and Mercosur

Escrito por

Clarissa Correa Neto Ribeiro

Doutora e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas - Unesp, Unicamp, PUC SP. Bolsista CAPES, foi pesquisadora visitante no German Institute of Global and Area Studies - GIGA Hamburg, pelo Programa Doutorado Sanduíche no Exterior (CAPES PDSE) e realizou pelo Programa de Escala de Pos Grado da AUGM mobilidade acadêmica de mestrado junto a Universidad de la Republica (Uruguai). Graduada em Ciências do Estado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), foi bolsista de Iniciação Cientifica do CNPq. Membro da Rede de Pesquisa em Politica Externa e Regionalismo (REPRI) e do Observatório de Regionalismo (ODR). Interessada em pesquisas sobre regionalismo comparado, atualmente investiga as consequências da proliferação de instituições regionais na África e América do Sul.