Imagem- Fonte: The Economist –

A União Europeia (UE) enfrenta atualmente intensa pressão causada pelo recrudescimento de movimentos nacionalistas por todo o continente. O resultado do plebiscito realizado no Reino Unido em junho de 2016, onde os britânicos expressaram sua rejeição ao processo de integração europeu, representou o extravasamento da insatisfação com o funcionamento do mesmo e o fortalecimento de outros atores políticos de tendência “eurocética”, ou seja, que questionam os benefícios trazidos pela União Europeia para os estados nacionais.

O euroceticismo está presente em diversos espectros políticos, tanto à esquerda quanto à direita, divergindo na intensidade do apoio à saída dos países do bloco e nos motivos para tanto, além de se tornar mais radical à medida que se aproxima dos extremos ideológicos. Segundo Taggart e Szczerbiak (2002), o euroceticismo pode ser classificado nas categorias “hard” (forte) e “soft” (suave), sendo o primeiro viés defensor do desmantelamento da União Europeia em defesa das soberanias nacionais, enquanto o segundo questiona políticas específicas do bloco (principalmente monetária e fiscal) e a supranacionalidade. Ainda de acordo com os autores, de maneira geral a direita estaria identificada com o euroceticismo “hard”, enquanto à esquerda com o “soft”, existindo ainda variações dentro dessa classificação, pois muitas vezes essas características se sobrepõem.

Recentemente, o euroceticismo de direita tem ganhado destaque ao condensar demandas nacionalistas represadas nos níveis domésticos e se tornar uma das principais bandeiras de movimentos populistas. As explicações para a expansão dessa tendência política no continente perpassam a crise econômica, a ameaça crescente do terrorismo e o advento do maior fluxo migratório desde a Segunda Guerra Mundial. Como essas questões influem no nível doméstico e são transnacionais, atingindo todos os países do bloco, a válvula de escape dos problemas domésticos tem se tornado, muitas vezes, a União Europeia, principalmente na concepção de políticos populistas.

Questões como a dívida grega ou o sistema de cotas para refugiados levantam críticas e questionamentos por parte dos cidadãos dos estados membros, com o agravante de que estes se sentem cada vez mais distantes de seus representantes supranacionais e desconfiados dos partidos tradicionais, que não conseguem oferecer respostas à altura da complexidade dos problemas.

Acrescenta-se a esse cadinho a influência das redes sociais nas guerras culturais, criando ambiente propício para o recrudescimento de discursos radicais que misturam nacionalismo, xenofobia e populismo, ameaçando a continuidade do mais antigo e ambicioso processo de integração regional existente.

Um importante símbolo da ascensão do euroceticismo de direita ocorreu em janeiro desse ano na cidade alemã de Koblenz, onde foi realizada uma cúpula de partidos que seguem essa orientação política. Organizado pelo “Alternative für Deutschland” (Alternativa para a Alemanha – AfD) – partido cujas principais bandeiras são o euroceticismo e a rejeição à imigração – o evento foi denominado como uma “contra-cúpula” como repúdio aos eventos organizados pelo establishment europeu.

 O encontro reuniu Frauke Petry (Alemanha), Marine Le Pen (França), Geert Wilders (Holanda) e Matteo Salvini (Itália), eurocéticos de destaque em seus respectivos países e que fazem parte do movimento “Europa das Nações e da Liberdade”, grupo político que atua no Parlamento Europeu.

A imprensa não obteve autorização para acompanhar as discussões, fato que não impediu grande repercussão da cúpula na mídia alemã e internacional. Isso se deve a proximidade das eleições em alguns desses países: Holanda em março, França em abril e Alemanha em Setembro. Na Itália, o imbróglio sobre a lei eleitoral continua em aberto e a data para as novas eleições não foi definida. Certamente, esses pleitos serão o ápice da batalha ideológica que se trava em território europeu e mostrarão a capacidade da direita eurocética em transformar discursos exacerbados em votos.

O primeiro país a enfrentar as urnas será a Holanda, onde o “Partido Para Liberdade” criado por Geert Wilders é favorito para obter maioria no parlamento.

Wilders defende a “desislamização” dos Países Baixos e a aprovação de um referendo nos moldes do ocorrido no Reino Unido a respeito da permanência na União Europeia. Na França, a eleição será presidencial e uma das candidatas favoritas é Marine Le Pen, que vem crescendo fortemente nas pesquisas. Marine é filha de Jean-Marie Le Pen, fundador do partido Frente Nacional. Seu euroceticismo tem arrefecido ao longo da campanha presidencial e agora propõe a renegociação de condições para a permanência da França no bloco e a realização de um referendo. No nível doméstico, Le Pen é contrária à globalização e defende o fim da imigração, especialmente de muçulmanos.

O cenário menos favorável para os eurocéticos é a Alemanha, onde Petry, do AfD, tem poucas chances contra Angela Merkel. Além do euroceticismo, Petry e seu partido alcançaram notoriedade através da retórica anti-imigração.

Enquanto os cenários eleitorais estão se definindo nos países citados, a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos embala a esperança de poder da direita eurocética. Do outro lado do Atlântico, Trump vê com simpatia a possibilidade de que os próximos chefes de estados europeus compartilhem de sua visão de mundo, ainda que até o momento sua estratégia de relações exteriores para a União Europeia não esteja totalmente definida. O estrategista-chefe de Trump, Steve Bannon, declarou em 2016 que existe uma espécie de “movimento Tea Party” global, referindo-se ao grupo político norte-americano de ideologia conservadora e de extrema direita. Outro ator político que não poderia deixar de ser citado é Vladimir Putin, que exerce forte influência no atual cenário europeu e tem apoiado a nova direita eurocética.

Ainda que os partidos eurocéticos de direita, Trump e Putin compartilhem bandeiras comuns, como o nacionalismo, o repúdio à imigração e à globalização, não está claro se seus interesses econômicos e comerciais convergirão da mesma forma. Os próximos meses de 2017 continuarão sendo de tensão e polarização política, até que as urnas europeias deem seu veredito e seja possível compreender as consequências para a União Europeia.

PARA MAIS INFORMAÇÕES (REFERÊNCIAS)

TAGGART, P.; SZCZERBIAK, A. The Party Politics of Euroscepticism in EU Member and Candidates States. Sussex European Institute. Paper da apresentação para o European Consortium for Political Research Joint Workshops, Turim – Itália, março de 2002. Disponível em: https://www.sussex.ac.uk/webteam/gateway/file.php?name=sei-working-paper-no-51.pdf&site=266

The Guardian: Marine Le Pen leads gathering of EU far-right leaders in Koblenz

UK politics becoming mired in ‘culture wars’, study suggests

 SCHNEIDER, Carmen: Euroscepticism in the right-wing parties: A comparison of three emerging right-wing parties

Escrito por

Flavia Loss

Doutoranda pelo Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP) e mestra pelo Programa de Pós-Graduação Interunidades em Integração da América Latina (PROLAM-USP). É professora no curso de Relações Internacionais da Universidade Cruzeiro do Sul. Pesquisadora do Observatório de Regionalismo e do Grupo Rede de Investigação em Política Exterior e Regionalismo (REPRI). Integra o Grupo de Reflexión sobre Integración y Desarollo en América Latina y Europa (GRIDALE) e o centro de estudos CiGlo (Ciudades Globales). Possui experiência no desenvolvimento de projetos acadêmicos nas áreas de Política Internacional e Relações Internacionais, atuando principalmente com os temas de análise de política externa e integração regional.