“Sopram ventos malignos no planeta azul”. Assim resume o sociólogo espanhol Manuel Castells em sua recente publicação – Ruptura[1] -, obra em que analisa a emergência de movimentos e partidos antiglobalização que, na Europa, convergiram na crítica ao projeto de Integração Europeu.
Embora o Brexit tenha sido o acontecimento de maior repercussão, as últimas eleições nacionais no velho continente demonstraram a força da onda crítica à globalização e à europeização: Thereza May, Marine Le Pen, Frauke Petry, Geert Wilders e tantos outros eurocéticos assumiram o centro do debate eleitoral em toa a Europa. Em suma, o Euroceticismo –  adjetivo comumente utilizado para caracterizar os diferentes atores políticos crítico ao bloco europeu – foi um elemento chave nas diferentes disputas eleitoras dos últimos anos, como já discutido por Flávia Loss[2] neste Observatório.
Contudo, parece que os tais “ventos malignos” anunciados por Castells perderam força ao chegar em Hamburgo, na Alemanha: na última sexta-feira, 07 de dezembro, a União Democrática Cristã (CDU) elegeu Annegret Kramp-Karrenbauer para suceder Angela Merkel na liderança do partido.
Kramp-Karrenbauer enfrentou e venceu Friedrich Merz, representante da ala mais à direita e conservadora da CDU. Apesar de não ser um eurocético declarado, o empresário Friedrich Merz era crítico à política de imigração e de acolhimento de refugiados da União Europeia, o que angariou o apoio dos grupos conservadores do partido à sua candidatura, especialmente aqueles que defendem o realinhamento da agenda da CDU para reconquistar os eleitores perdidos para a Alternativa para Alemanha (AfD) – partido político de extrema-direita alemão.
A escolha de Kramp-Karrenbauer, uma liderança afinada com Merkel, garante, ao menos neste primeiro momento, a manutenção da base de apoio da chanceler alemã no governo – base esta que foi aglutinada com muitas dificuldades no pós-eleições de setembro de 2017[3]. Nesse sentido, parece ir na contramão do aparente processo de “desunião europeia”. Afinal, é consenso no partido que Kramp-Karrenbauer representa a continuidade do projeto de Merkel, protagonista na defesa do projeto de integração europeu, sobretudo após a crise do euro de 2008.
As disputas no partido da Angela Merkel merecem destaque, sobretudo diante da atual conjuntura europeia. Na França, Emmanuel Macron, vitorioso nas eleições contra a eurocética Marine Le Pen, enfrenta uma das maiores crises políticas da França contemporânea – os já famosos protestos dos “coletes amarelos”[4]. No Reino Unido, a primeira ministra Thereza May encontra-se na corda bamba. A decisão por adiar a votação do Brexit[5], que ocorreria nesta terça-feira, é apenas uma das evidências da fragilidade do governo britânico.
Ao que tudo indica, se um cenário de instabilidades, euroceticismo e crises políticas é regra na Europa, a Alemanha indica ser uma exceção. Apesar do projeto de uma União Europeia defendido e implementado por Merkel seja passível de muitas críticas, sobretudo no que diz respeito à imposição das políticas de austeridade, é notável a importância que a escolha feita pela CDU assume, sobretudo no que diz respeito à estabilidade e previsibilidade no futuro da política europeia.
Afinal, ainda que seja demasiadamente cedo para quaisquer previsões e afirmações sobre um futuro governo Kramp-Karrenbauer, é notório que uma aliada de Merkel na liderança do partido tende a fortalecer o governo da chanceler alemã e indica a manutenção de uma política pró-União Europeia na Alemanha, o fiel da balança do projeto. Se isso será suficiente para pôr fim à possibilidade de uma desunião europeia, caberá ao futuro responder.
 
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[1] CASTELLS, Manuel. Ruptura: a crise da democracia liberal. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.
[2] https://observatorio.repri.org/artigos/os-euroceticos-e-as-eleicoes-europeias-de-2017/
[3] https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/01/15/Quais-os-obst%C3%A1culos-%C3%A0-forma%C3%A7%C3%A3o-do-novo-governo-Merkel-na-Alemanha
[4] https://www.bbc.com/portuguese/internacional-46249017
[5] https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/12/votacao-do-brexit-no-parlamento-britanico-e-adiada-diz-imprensa-local.shtml

Escrito por

Guilherme Ferreira

Professor Adjunto da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios (EPPEN) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Campus de Osasco. Doutor e Mestre em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP/ UNICAMP/ PUC-SP). Bacharel em Relações Internacionais pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais - UNESP, campus de Franca, tendo realizado intercâmbio acadêmico de graduação no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. É pesquisador do Observatório de Regionalismo (ODR).