Os Parlamentos regionais surgem da percepção de déficit democrático no interior dos processos de integração regional, uma vez que estes processos se estruturam com uma construção institucional de pouca abertura para a participação popular dos seus Estados-membros. O impulso para se adentrar em um projeto integracionista é levado a cabo pelo Poder Executivo, assim como as decisões dentro destes processos de integração regional também se centralizam na figura do presidente, dos gabinetes ministeriais ou de representantes escolhidos pelos governantes. Portanto, a representatividade de um país membro de um bloco regional fica concentrada nessa esfera de poder, havendo pouca permeabilidade para a presença de representação da sociedade nessa institucionalidade. O Parlamento surge como uma instância que traz algum tipo de garantia ou controle da atuação internacional dos governos, porque é na esfera da representação social, de acordo com a lógica dos sistemas democráticos liberais, que se exercem três funções fundamentais: representatividade da sociedade que o elegeu, a possibilidade de legislar e fiscalizar as atividades do Executivo (MARIANO; LUCIANO, 2012). O surgimento de tal instância nos processos de integração regional foi fruto da globalização e tem uma relação direta e dinâmica com a lógica da regionalização, ao transformar o contexto e as condições da interação e das organizações sociais, em que o espaço nacional e internacional se mesclam e interagem de forma recorrente, o que ocasiona um novo ordenamento das relações entre território e espaço socioeconômico e político (HELD e MCGREW, 2001).
Em meio a um contexto em que emerge a multipolarização, com o final da Guerra Fria, em 1983, o governo do Panamá teve como iniciativa a criação de um órgão regional e permanente da representação política e democrática do Sistema de Integração Centro-Americana (SICA), visando realizar a cooperação entre os países da América Central e o controle democrático internacional. O Parlamento Centro-Americano (Parlacen) é um órgão deliberativo dentro do Sistema de Integração Centro-Americano (SICA). O SICA foi firmado em 1991 e possui como membros países da América Central, organizados previamente por meio do Mercado Comum Centro-Americano, criado durante a primeira onda integracionista, datada da década de 1960. Porém, ainda que o SICA tenha como membros centro-americanos: Belize, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e Panamá , o Parlacen não conta em sua estrutura com Costa Rica e Belize, mas inclui a República Dominicana, país caribenho.
O Parlacen foi idealizado na ocasião da Declaração de Esquipulas I e visava a distensão da rivalidade entre os países, além de promoção da paz e da democracia na região. Nesse momento, além da cimeira presidencial, que apoiou a criação do órgão, a então Comunidade Europeia esteve entre os incentivadores do delineamento do Parlacen em que, entre 1987 e 1989, Honduras, El Salvador, Costa Rica, Nicarágua e Guatemala assinaram e ratificaram o Tratado Constitutivo deste órgão. Além deste Tratado, três protocolos adicionais foram assinados posteriormente, de modo a permitir algum tempo útil para o atraso gerado na eleição dos representantes nacionais e facilitar a adesão do Panamá ao Tratado. O Parlamento foi, finalmente, estabelecido em 1991, na cidade de Guatemala, a sua sede permanente. O Parlacen, estrutura-se através do Plenário, do Conselho de Administração e do Secretário. O plenário é o corpo mais alto do Parlamento e inclui todos os seus representantes. As eleições internas deste órgão regional ocorrem concomitantemente às eleições presidenciais dos Estados-membros, assim, o ex-presidente de cada uma das nações que compõem o Parlamento, bem como todos os vice-presidentes e o primeiro-ministro, também são componentes do Parlacen desde o final do período até o final do mandato de seu sucessor.
A instância regional, responsável por maior amplitude participativa, possui agenda própria de interesses para a região, os quais são postos por meio de um diálogo político formulado em reuniões semanais que são realizadas em determinado Estado membro, de acordo com as atas formuladas pelos assuntos que são pauta das comissões representativas e abordam temas que abrangem migração e imigração, meio ambiente, relações internacionais, direitos socioculturais de povos indígenas e afrodescendentes, segurança pública, Direitos Humanos, até o desenvolvimento econômico inter-regional.
Percebe-se o interesse em tratar de temas que são dotados de maior capacidade mobilizadora, como é o caso do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável, sendo o último parte do texto fundacional deste órgão. No ano de 2016 foi instaurado o foro regional para meio ambiente, que deverá auxiliar no lide com questões relacionadas à mitigação frente aos efeitos das mudanças climáticas em uma região, tal qual a do Parlacen, possuidora de vasta riqueza natural.
Outro importante tema recorrente nas reuniões e que foi fulcro da Reunião Anual da Comissão das Relações Internacionais e Assuntos de Migração do Parlamento Centro-Americano, foi a abordagem integrada da questão da imigração, chamada “América Central: território migração inter-regional”. Orlando Tardencilla, deputado pela Nicarágua, afirmou que, em 25 anos, o Parlamento Centro-Americano emitiu 40 decisões do Plenário, sobre o tema da assembleia migrante, considerando um aspecto humanitário ao qual se deva dar a devida atenção na região, especialmente em países que compõem o Triângulo Norte (PARLACEN, [2017]). Por sua vez, o Secretário da Comissão de Relações Internacionais e Assuntos de Migração do Parlacen, deputado Daniel Ortega Reyes, falou da necessidade de colocar a agenda de migrantes como a decisão mais importante do Sistema de Integração Centro-Americana, SICA. Da mesma forma, discutiram o estabelecimento de um visto único da América Central para a livre circulação de pessoas e o direito comunitário de emissão para migrantes, abordados pelo Presidente da Corte Centro-Americana de Justiça, o juiz César Salazar.
Outras cúpulas realizadas, levantam questões a respeito da sustentabilidade e dos povos indígenas e afro-descendentes, junto ao direito sociocultural. O Deputado Sydney Martin, e Pablo Ceto, secretários da Comissão sobre povos indígenas e afro-descendentes e seus membros, realizaram uma reunião de trabalho, em 18 de maio, com a Delegação de autoridades e comunidades indígenas da Guatemala, informando o desenvolvimento de planos na região para promover a defesa dos direitos, desenvolvimento social e preservação cultural, bem como o legado das comunidades que habitam a região. Frisaram também a importância de fortalecer esta relação através de um acordo de cooperação para estabelecer um espaço de diálogo e consulta diretamente com as culturas indígenas e sociedades da região.
Os temas propostos são fundamentais e demonstram cumprir com o propósito do órgão regional, de trazer discussões que sejam parte do cotidiano das populações, além de serem regionais, pois são interesse comum de todos os membros do Parlacen, o que, inclusive, poderia trazer maior proximidade entre os países de uma região de histórico político instável, porém, há controvérsias sobre a deliberação designada a cada pauta. A agenda, teoricamente, enfoca os temas sócio-políticos e representativos, no entanto, as questões consolidadas ou para tramitação nos demais órgãos do SICA acabam voltadas para a inserção mais competitiva nas grandes cadeias de comércio global. A percepção dessa relação alarmante dá-se no desenvolvimento dos encontros, bem como nas decisões mais concretas acerca de pontos da economia e de acordos de mercado, em detrimento da compilação estagnada em debates dos assuntos sociais.
No que se refere a sua estruturação, de acordo com Malamud e Sousa (2005), em estudo feito sobre os parlamentos regionais latino americanos, apesar de o Parlacen ser um dos poucos parlamentos a designar seus membros por eleições diretas, isso não lhes atribui quaisquer poderes legislativos, ainda que o Parlamento possua competências de fiscalização sobre os restantes órgãos da organização. Contudo, o seu resultado tem sido menos expressivo que os do Parlatino e do Parlandino, outras experiências latino americanas, no tocante à institucionalização de comissões estatutárias permanentes ou especializadas.
A falta de efetividade nas discussões, a sobreposição de uma agenda econômica frente a uma de espectro mais amplo não é característica única do Parlacen, mas o mesmo é verificado em grande parte das experiências dos parlamentos regionais por toda a região. Não se deve, contudo, desconsiderar os resultados positivos do Parlacen, enquanto instância de prospecção e interesse representativo da região centro-americana, ainda que suas competências não se aprofundem. Essa dubiedade ao abordar o Parlacen enquanto ator do processo de integração da região centro-americana, não só evidencia a fragilidade desse processo de integração regional, mas também é exemplo de que a teoria e a prática nem sempre caminham juntas.
* Artigo escrito em co-autoria com Amanda Trentin, pesquisadora do Grupo de Estudos Interdisciplinares de Cultura e Desenvolvimento (GEICD), da Unesp de Araraquara, e aluna da graduação em Ciências Sociais.
REFERÊNCIAS:
MALAMUD, A; SOUSA, L. Parlamentos Regionais na Europa e na América Latina: Entre o Fortalecimento e a Irrelevância. Contexto Internacional, vol. 27, no 2, p. 369-409, 2005.
MARIANO, K.L.P; LUCIANO, B.T. Implicações Nacionais Da Integração Regional: As Eleições Diretas Do Parlamento Do Mercosul. Perspectivas, v. 42, São Paulo, p. 41-77, 2012.
HELD, D.; MCGREW, A. Prós e Contras da Globalização. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.