As dinâmicas de integração regional no continente africano são ainda muito pouco discutidas no Brasil. Com raízes históricas que remetem a arranjos coloniais, o cenário que se apresenta do outro lado do Atlântico mostra-se complexo e inspira discussões acerca do próprio conceito de “região”.

Como compreender o funcionamento de iniciativas de cooperação e integração regional em um território tão vasto e culturalmente diverso como a África? Formado por 54 países, com grande variedade de idiomas, dialetos, tradições e identidades, o espaço geográfico africano começou a ser integrado por iniciativa e influência de suas antigas metrópoles. Assim, por exemplo, o processo de integração econômico mais antigo do mundo, ainda em vigência, foi criado em 1910, a União Aduaneira da África Austral, e renovado em 1969- a partir da independência de Botsuana, África do Sul, Suazilândia, Lesoto e Namíbia (agregada em 1990).

Alguns territórios, como os que pertenciam a África Ocidental Francesa  e  a Áfria Equatorial Francesa chegaram, inclusive, a conformar federações com moeda própria, o que estabeleceu bases para a conformação, após a descolonização, de duas uniões monetárias independentes que têm o Franco CFA(1) como moeda: a União Econômica e Monetária do Oeste Africano (UEMOA), e a Comunidade Econômica e Monetária da África Central (CEMAC).

Os exemplos citados não exaurem, de maneira nenhuma, os processos regionais vigentes na África, mas servem para perceber a influência da colonização na aproximação entre as nações. Ainda, a presença das metrópoles não pode ser considerada como único fator de impulsão do regionalismo: em contrapartida a esses movimentos, no pós-Segunda Guerra, o ideal do “Pan-Africanismo” foi de essencial importância, uma vez que pregava a construção de uma identidade continental em contraposição ao colonialismo.

É seguindo este impulso que se cria, em 1963, a Organização da Unidade Africana (OUA), que em 2002 passou a se chamar União Africana (UA), o mais abrangente dentre os processos regionais do continente. De fato, a União Africana, que ambiciosamente buscava seguir, em grande medida, o modelo de integração proposto pela União Europeia, está composta por 53 países do continente, com exceção apenas do Marrocos, que deixou o bloco em protesto após o aceite do Saara Ocidental como membro, em 1984 (2).

Além das dinâmicas coloniais e continentalistas, a região africana vem sendo interpretada de diversas formas. A ONU, durante os anos 1960, criou a Comissão Econômica das Nações Unidas para a África (UNECA), que propôs a divisão do continente em cinco regiões: Norte, Sul, Leste, Oeste e Central, de forma a promover o desenvolvimento dos países. Já alguns posicionamentos da Academia, por sua vez, afirmam a existência de duas lógicas no continente: uma do Norte, também chamado de “África branca”, composta pelos países árabes; e, geograficamente separada pelo deserto, estaria a Subsaariana, ou a “África Negra”. As várias divisões normalmente são acompanhadas de processos regionais que as seguem e, que muitas vezes, no entanto, não levam em consideração as dinâmicas pré-existentes, competindo diretamente com as propostas de regionalismo em vigência.

O presente texto tinha por objetivo introduzir o debate acerca do regionalismo e a formação de uma região através da experiência africana. Não se pode dizer que os fatores aqui expostos são os únicos de influência para a proliferação de instituições regionais, principalmente levando-se em consideração o contexto em que os processos africanos se desenvolvem, permeado por conflitos territoriais e a busca pela segurança, avanços e retrocessos democráticos na política doméstica, o debate acerca dos direitos humanos, e outras situações, além do grande número de mecanismos regionais existentes e suas particularidades.

No entanto, o debate sobre a construção do espaço geográfico faz-se importante para a compreensão da influência do conceito de “região” na conformação de mecanismos de cooperação e integração: com diversos entendimentos, surgem múltiplos processos entre as nações. Assim, as instituições regionais existentes na África atualmente são também o resultado da tensão entre os processos continentais, os coloniais e os regionais, transformando as conexões entre os países em um emaranhado de organizações em situação de sobreposição.

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Notas

(1) CFA é uma sigla para Comunidades Financeiras da África. Apesar de os dois blocos regionais compartilharem a herança do Franco como moeda, existe uma subdivisão: a UEMOA utiliza o Franco CFA (XOF) e a CEMAC o (XAF). O uso das siglas adjacentes serve ao propósito de distinguir as moedas pois, embora tenham o mesmo nome o mesmo valor, não são intercambiáveis ou equivalentes (Cf. Saidane Dhafer, Ezo’O Veronick, “Mondialisation en Afrique : véritable intégration ou simple vue de l’esprit ?”, Techniques Financières et Développement 1/2015 (n° 118) , p. 93-100). (voltar)

(2) O Saara Ocidental é um território disputado pelo Marrocos cujo movimento separatista proclamou, em 1976, a República Árabe Saaraui Democrática (RASD), reconhecida por mais de 80 Estados e membro pleno da União Africana, apesar de não ser considerada pela ONU, que a avalia como “território não-autônomo”. 

– Foto: Opening of the 25th Ordinary Session of the African Union Assembly of Heads of State and Government Johannesburg, South Africa,14 June 2015. 

Escrito por

Clarissa Correa Neto Ribeiro

Doutora e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas - Unesp, Unicamp, PUC SP. Bolsista CAPES, foi pesquisadora visitante no German Institute of Global and Area Studies - GIGA Hamburg, pelo Programa Doutorado Sanduíche no Exterior (CAPES PDSE) e realizou pelo Programa de Escala de Pos Grado da AUGM mobilidade acadêmica de mestrado junto a Universidad de la Republica (Uruguai). Graduada em Ciências do Estado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), foi bolsista de Iniciação Cientifica do CNPq. Membro da Rede de Pesquisa em Politica Externa e Regionalismo (REPRI) e do Observatório de Regionalismo (ODR). Interessada em pesquisas sobre regionalismo comparado, atualmente investiga as consequências da proliferação de instituições regionais na África e América do Sul.