Muito acostumados com os debates sobre as instituições regionais pertencentes a regiões mais conhecidas do globo como Europa ou a América do Sul, a maior parte desconhece que essas mesmas instituições também estão presentes em outras regiões como a Ásia ou África e que as mesmas podem ser até mais antigas do que suas contrapartes mais famosas. Tendo em vista que esse desconhecimento ainda persiste em diversos meios, vamos aqui discutir um pouco sobre o regionalismo em uma região com a qual pouco somos familiarizados e que os estudos somente agora estão se tornando mais densos: a Ásia.Dentro da região asiática não se apresenta a diversidade institucional presente em outras regiões, mas há algumas inflexões institucionais que são interessantes para observarmos e que merecem ser mapeadas. Partindo primeiro do Sul da Ásia (região da Índia) a SAARC (South Asian Association for Regional Cooperation) é um dos destaques institucionais, já que pensa a cooperação entre Índia e Paquistão, um dos enfrentamentos mais delicados entre Estados na região, e também agrega outros países para essa cooperação como Afeganistão, Bangladesh, Butão, Nepal, Maldivas e Sri Lanka.

Partindo para o Sudeste Asiático, a ASEAN (Association of Southeast Asia Nations) conta com o aparato institucional mais bem construído e também com a maior diversidade institucional e possibilidades de cooperação, pois congrega como membros Brunei, Camboja, Indonésia, Laos, Malásia, Myanmar, Filipinas, Cingapura, Tailândia e Vietnã, além de outros diversos membros participantes em instituições ligadas à ASEAN. Por fim, outra instituição de destaque que está presente no Leste da Ásia é a SCO (Shanghai Cooperation Organization) ou OCX (Organização de Cooperação de Xangai) em português que é uma instituição que pensa questões de segurança e defesa e tem como membros China, Cazaquistão, Quirguistão, Rússia, Tadjiquistão e Uzbequistão.

Com isso, após mapearmos algumas relações regionais para demonstrar o quão extenso essa ideia de regionalismo está presente na Ásia, neste artigo discutiremos a mais importante e que mais avançou no sentido de promover a cooperação regional nos campos econômico, de segurança e de cultura/sociedade: a ASEAN. Fundada em 1967 (logo, no contexto da Guerra Fria) com a Declaração de Bangkok que foi assinada por Indonésia, Filipinas, Cingapura, Malásia e Tailândia, a ASEAN surge para cumprir dois objetivos, como mostra Acharya (2012): 1) promover a cooperação entre esses países para em conjunto fortalecer sua independência e consequentemente também fortalecer seus embates contra o imperialismo e as disputas entre as grandes potências na região e; 2) afastar a possibilidade do comunismo se infiltrar e patrocinar revoltas que derrubariam os governos instituídos nesses Estados.

Sendo assim, é com essa proposta de auto fortalecimento que esses Estados criam a ASEAN e começam a apostar em seu aprofundamento. E em relação a este último, em seu primeiro período a ASEAN não se constituiu enquanto uma instituição com personalidade de Direito Internacional, já que a Declaração de Bangkok não criava nenhuma forma de legalidade jurídica ou de institucionalização aos moldes de como conhecemos a criação do Mercosul, por exemplo. Ainda com relação ao seu momento inicial, a ASEAN representava somente um local comum para que as discussões e os objetivos propostos pelos membros pudessem ser conquistados, deixando em aberto a possibilidade de um aprofundamento institucional a ser aceito e também um provável direcionamento para a criação de uma base normativa em comum para gerir as relações regionais.

E é em 1976 que essa base normativa chega a uma construção melhor acabada com a aceitação dos acordos da ZOPFAN (Zone of Peace Freedom and Neutrality), Bali Concord I e TAC (Treaty of Amity and Cooperation). Conhecida como “ASEAN Way”,  essa base normativa consiste em uma junção dos pontos principais de cada um desses acordos e é o que gere as relações entre os membros da ASEAN desde então. Como observado por Goh (2003), o “ASEAN Way” consiste na aceitação de procedimentos, como por exemplo a não intervenção ou respeito mútuo à soberania, que serão a base para o relacionamento regional até os dias atuais. Para complementar, segundo Oliveira Junior (2015):

Essas regras não seguem pontos específicos de conduta para os Estados da ASEAN, mas sim prescrevem a maneira geral de se organizar as relações dentro do “bloco”, o que difere muito do conhecimento ocidental de regionalismo e suas densas regras, deliberação de soberania e intensa institucionalização.

Com a então aceitação da “ASEAN Way” como diretriz para a manutenção dos relacionamentos regionais, o avanço institucional e também da cooperação fica estagnado durante os anos 1980 pelo fato do embate entre Camboja e Vietnã. Essa estagnação ocorre pois, durante esse período, a ASEAN manteve um intenso embate político contra o Vietnã, não investindo muito tempo à construção e avanço de sua própria evolução enquanto instituição.

Porém, com o final da Guerra Fria e o fim do embate entre Hanói e Phnom Penh é que o mais profundo avanço institucional ocorreu. Inicialmente, a criação da APEC (Asia-Pacific Economic Cooperation) aprofunda a cooperação econômica da ASEAN, expandindo seu escopo e trazendo para o debate e cooperação membros de outras regiões como Estados Unidos e Japão. Em seguida, temos a criação da ARF (ASEAN Regional Forum) que aprofunda a cooperação na parte de segurança, expandindo também o escopo para o Leste Asiático e também para potências de fora como os Estados Unidos e Austrália.

Como podemos ver em Beeson (2009), após essa primeira fase de alargamento institucional, um fator desestabiliza essa expansão da cooperação: a crise asiática de 1997. A crise abala esse processo de extensão da ASEAN para outras regiões além Ásia e também demonstra que a aposta por uma cooperação pouco institucionalizada acaba por ser uma escolha ruim, já que a falta de uma resposta rápida para o problema foi um dos grandes agravantes para o aprofundamento da crise e também o fato de seus principais parceiros de fora da região (EUA, por exemplo) negarem ajuda. Dessa maneira, se inicia uma nova fase em que o foco institucional permanece fortemente relacionado com o Sudeste Asiático mais o Leste Asiático, expandindo a cooperação, porém mantendo-a restrita à própria Ásia. Não é que esse primeiro avanço tenha sido desfeito, ele continua a existir, todavia há essa nova visão para a ASEAN e seu modelo de cooperação.

Com isso, temos que é criada a ASEAN+3. Essa instituição, que nasce a partir dos acordos da Iniciativa Chiang Mai para recuperar as economias dos países da região no pós crise asiática de 1997, consiste na soma dos membros da ASEAN com Japão, China e Coréia do Sul. Essa instituição é muito importante, pois além de comungar os principais atores da região asiática dentro de uma mesma instituição de cooperação, também é o principal lócus que a ASEAN participa tendo em visa a amplitude e profundidade das relações construídas, que vão desde comerciais até relações culturais.

Além da ASEAN+3, há também outro acordo regional com esse mesmo enfoque, porém com um escopo ligeiramente mais amplo que é a EAS (East Asia Summit). Sendo uma grande aposta do Japão, Beeson (2009) nos mostra que a EAS consiste de uma ampliação da ASEAN+3 para as regiões da Oceania e do Sul da Ásia, expandindo a quantidade de membros e o alcance da cooperação regional.

Mais adiante do expansionismo que ocorreu com a ASEAN, através da criação dessas diversas instituições, houve um aprofundamento de suas próprias bases institucionais e normativas. Tal fato ocorreu em 2007 com a aceitação da Carta da ASEAN. Como visto no documento (2007), a ASEAN se aprofundou em alguns pontos como o de se constituir como uma instituição legal e aplicável ao Direito Internacional, promoveu um cronograma para uma maior institucionalização e separou sua base em um tripé em que um consiste na parte de segurança (ASEAN Political-Security Community), outro na parte de economia (ASEAN Economic Community) e o ultimo na parte cultural (ASEAN Socio-Cultural Community). Para mais, a carta também constrói em definitivo as regras de relacionamento regional e também a parte institucional, transformando essas funções que ainda eram carentes de regras e clareza institucional em algo melhor acabado e com uma mais clara visão de seu funcionamento.

Por fim, essa é uma pequena introdução da ASEAN e do regionalismo asiático de uma maneira geral. É claro que a dimensão dessa evolução é mais complexa do que o apresentado, mas vale como uma visão geral sobre a instituição e suas dinâmicas e também como um aumento de visão acerca dos temas regionais em outras regiões. Dessa maneira, a ASEAN e o Regionalismo Asiático é um interessante estudo de caso, tanto pela sua complexidade institucional quanto pelas possibilidades diferentes para promover a cooperação entre os membros outros participantes.


Para mais informação (Referência):

AMITAV, Acharya (2012). The Making of Southeast Asia: International Relations of a Region. Cingapura: ISEAS

BEESON, Mark (2009). Institutions of Asia-Pacific: ASEAN, APEC and beyond. Nova Iorque: Routledge.

GOH, Gillian (2003). The ‘ASEAN Way’: Non-Intervention and ASEAN’s Role in Conflict Management. Stanford Journal of East Asian Affairs, vol.3, no. 1.j

MASILAMANI, Logan & PETERSON, Jimmy (2014). The “ASEAN Way”: The structural underpinnings of Constructive Engagement. Foreign Policy Journal.

NARINE, Shaun (2012). “Asia, ASEAN and the question of sovereignty: the persistence of non-intervention in Asia-Pacific”.  In: BEESON, Mark & STUBBS, Richard (2012). Routledge Handbook of Asian Regionalism. Nova Iorque: Routledge.

Links:

OLIVEIRA JUNIOR, Márcio José (2015). “Asean way” e as perspectivas para o regionalismo asiático. Mundorama.

Foto: disponível no site Asean.org

Escrito por

Márcio José Oliveira Júnior

Estuda a área de Política Internacional, mais especificamente Política Externa da China moderna. Ingressou no ano de 2011 na Universidade Federal de São Paulo, no curso de Relações Internacionais que está vinculado a Escola Paulista de Política Economia e Negócios (EPPEN). É participante do Grupo de Pesquisa UNIFESP/UFABC "A inserção internacional brasileira: projeção global e regional" e do grupo Inserção Regional e suas consequencias para a política externa: uma análise do Brasil e da Índia ambos certificados pelo CNPq. Foi bolsista de Iniciação Científica pela FAPESP nos anos de 2012 a 2014. Atualmente é mestrando no PPGRI da Universidade Federal de Uberlândia com bolsa CAPES, ligado ao Ie (Instituto de Economia) e também pesquisador ligado a Rede de Pesquisa em Política Externa e Regionalismo (REPRI).