Apresentada como um think tank, um foro de boas práticas e uma promotora de debates e padrões internacionais, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) pode ser considerada uma das instituições mais antigas, tendo pouco mais de sete décadas, pressupondo a Organização Europeia para a Cooperação Econômica (OECE) como sua originária. Nascida com o intuito de administrar a recuperação da Europa no pós-Segunda Guerra Mundial a partir do financiamento estadunidense (Plano Marshall), a OCDE enfrentou e superou uma infinidade de cenários, como: o período de reconstrução da Europa no imediato pós-Guerra, o cenário bipolar da Guerra Fria, o fim do sistema de Bretton Woods, a liberalização econômica da década de 1990 e a ascensão de economias emergentes neste início do século XXI.

       Composta inicialmente por vinte países distribuídos entre a Europa Ocidental e a América do Norte1, – o que a fez ser conhecida como o “clube dos ricos” -, a OCDE utilizou seu alargamento por meio da adesão de novos membros como estratégia para superar a diversidade de contextos políticos e econômicos, sendo possível identificar três ciclos (GODINHO, 2018).

       O primeiro ciclo foi composto pelas adesões de Japão, Finlândia, Austrália e Nova Zelândia entre meados da década de 1960 e meados de 1970s. Neste primeiro ciclo, os novos membros seriam reflexo dos interesses de dois atores centrais dentro da Organização, sendo a adesão, respectivamente, dos dois primeiros defendida pelos Estados Unidos da América (EUA) e a dos dois últimos pelo Reino Unido. Já o segundo ciclo só se deu com o fim da Guerra Fria, na década de 1990, com a inclusão de dois grupos. O primeiro, composto por República Checa, Hungria, Polônia e Eslováquia, visou assegurar a estabilização destes ex-Estados soviéticos sob a lógica de democracias de mercado. Enquanto que o segundo, com México e da Coreia do Sul, teve como objetivo contrabalancear o peso dominante dos países europeus na Organização, assim como apoiar as reformas liberalizantes destes países.

       Ao longo dos primeiros dois ciclos de expansão da OCDE, não havia procedimentos claros de adesão, o que, de acordo com Godinho (2018), teria resultado em uma discricionariedade na seleção de novos membros, baseando-se, mormente, em propostas/interesses dos países membros e discussões informais. No entanto, nos anos 2000, a OCDE iniciou um processo de formalização das regras e critérios de inclusão de novos membros.

    Nesse sentido, destaca-se o Relatório Noboru de 2004 (OCDE, 2004), o qual analisa justamente a necessidade de adaptações institucionais frente às mudanças estruturais da economia mundial, definindo os seguintes critérios para a adesão de um novo membro: i) like-mindedness, ou seja, valores compartilhados entre os membros, como economia de mercado e democracia; ii) ser um player significante à Organização, aos membros e/ou à economia global; e iii) garantir benefícios mútuos à Organização e ao novo membro. Frente a isso, em 2007 foi estabelecido o Procedimento Geral para Adesões Futuras (OCDE, 2007a), o qual determinou os parâmetros processuais para adesão de novos membros, onde o Conselho analisa e aprova o convite ao membro prospectivo, o secretário-geral elabora o roteiro de adesão (roadmap) e os comitês avaliam a capacidade do candidato de cumprir com as obrigações/instrumentos da Organização.

       Com este cenário, tem-se o terceiro e maior ciclo a partir de 2007 com a adesão de oito novos membros (Chile, Estônia, Israel, Eslovênia, Letônia, Colômbia, Costa Rica e Lituânia)2. Além disso, dentro deste ciclo é possível incluir o convite a um “engajamento ampliado” dos chamados key partners (Brasil, África do Sul, China, Índia e Indonésia) com a intenção de se aproximar de grandes economias emergentes, por meio do estímulo à participação destes  de maneira mais aprofundada na Organização, promovendo entendimentos comuns e cooperação na constituição de base de dados e indicadores (OCDE, 2007b).

       Paralelamente a este processo de ressignificação da OCDE, o Brasil iniciou sua aproximação à Organização ainda na década de 1990 com o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) (GODINHO, 2018). Na década de 2000, a relação Brasil-OCDE continuou a se intensificar, ainda mais sendo o país sul-americano considerado um dos key partners em 2007. No entanto, foi na segunda metade de década de 2010 que tais relações passaram a tomar traços mais formais, haja vista a assinatura em junho de 2015 do Acordo Marco de Cooperação e o pedido oficial de adesão brasileiro à OCDE em maio de 2017.

Aos poucos, portanto, o Brasil passou a aderir aos instrumentos legais da Organização, sendo que, de acordo com levantamento do embaixador e atual representante do Brasil na OCDE Carlos Cozendey (2017),

o Brasil já é parte de 15% dos instrumentos; solicitou ou está em vias de solicitar a adesão/acessão a 30% dos instrumentos; identificou que outros 28% dos instrumentos não apresentam incompatibilidades com a legislação e estão alinhados com as políticas desejadas; identificou que 15% dos instrumentos estão alinhados com as políticas desejadas, mas requereriam alguma alteração de legislação. (COZENDEY, 2017, p. 32)

       No entanto, o episódio de maior polêmica se deu com a divulgação, em outubro de 2019, de um carta do secretário de Estado americano, Mike Pompeo, ao secretário-geral da OCDE, José Ángel Gurría, onde o primeiro afirma que os EUA apoiariam somente o ingresso da Argentina e da Romênia na Organização, colocando em xeque a declaração de apoio público de Donald Trump ao acesso do Brasil à Organização durante a visita de Jair Bolsonaro a Washington em março deste mesmo ano. Frente a isso, as críticas ao governo de Bolsonaro foram intensas, haja vista que a negociação do apoio dos EUA a adesão do Brasil à OCDE teria envolvido diversas concessões pela parte brasileira, como: a isenção de vistos para turistas americanos, sem reciprocidade; a abdicação por parte do Brasil de seu status de país em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC); o aumento da cota de importação de trigo e etanol estadunidenses sem tarifa e a concessão da base espacial de Alcântara (Maranhão) à exploração estadunidense.

       Apesar de tanto Trump como Pompeo terem confirmado o apoio estadunidense à candidatura brasileira, foi somente no dia 15 de janeiro de 2020 que Trump oficializou o apoio à Brasília por meio de uma carta entregue à OCDE na qual defende que o Brasil deve ser o próximo país a iniciar o processo de adesão à instituição. O que teria mudado, afinal de contas? Para além das críticas à política externa de alinhamento automático aos EUA sem qualquer outro benefício em troca, a mudança do cenário político da Argentina (favorecida na carta de Pompeo), com a eleição do peronista Alberto Fernández à presidência no final de outubro passado, pode ter quebrado a proximidade ideológica que o ex-presidente Maurício Macri havia construído com Trump durante seu mandato (2015-2019).

       Vale destacar, contudo, que o apoio dos EUA, apesar de importante, não é determinante no processo de adesão à OCDE, haja vista que é exigido consenso entre seus membros. Além disso, Fernandez (2019) destaca a dualidade entre os membros da OCDE, na medida em que o governo estadunidense estaria mais interessado em um alargamento contido da Organização, por acreditar que uma instituição muito grande dificultaria a tomada de decisões;  enquanto que os países europeus defenderiam a discussão de todas as seis candidaturas existentes (Argentina, Romênia, Brasil, Peru, Bulgária e Croácia) como forma de garantir a equidade na adesão de membros europeus e não-europeus.

       No que se refere ao regionalismo, tal aproximação brasileira à Organização vem ocorrendo concomitante a um certo afastamento das iniciativas de integração regional na América Latina a partir do governo de Michel Temer e, principalmente, durante o mandato de Jair Bolsonaro. Como já analisado aqui no Observatório, em abril de 2018, o Brasil e mais cinco países3 suspenderam sua participação na União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), bloco criado em 2006 por iniciativa do próprio Brasil como Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA). Um ano mais tarde, o Brasil formalizou sua saída do bloco sul-americano. Da mesma forma, em janeiro de 2020, o governo brasileiro entregou seu pedido de retirada da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos, organização esta criada em 2010 e herdeira do Grupo do Rio4 e da Cúpula da América Latina e Caribe sobre Integração e Desenvolvimento (CALC)5

     Tal mudança da atuação brasileira tanto no âmbito regional quanto internacional condiz com a nova diretriz da política externa brasileira de valorização de sua relação com atores centrais, como Estados Unidos e União Europeia, visando maiores oportunidades de inserção comercial das exportações brasileiras. Paralelamente, as divergências econômicas e político-ideológicas com lideranças mais à esquerda na América do Sul, como Evo Morales na Bolívia e Nicolás Maduro na Venezuela, assim como com o próprio projeto de integração mais político da UNASUL e da CELAC, colocaram a região em segundo plano dentro das prioridades dos governos Temer e Bolsonaro. A busca do Brasil em aderir à OCDE responde, portanto, a essa nova compreensão de parceiros prioritários ao governo brasileiro.

       A partir desta análise da relação entre Brasil e OCDE e como tal relação se encontra hoje, propõe-se a elaboração de uma discussão, em que argumentos pró e contra a adesão brasileira à Organização possam ser debatidos.

       Tratando-se dos argumentos positivos, o primeiro deles diz respeito às contribuições de caráter nacional ao desenvolvimento brasileiro, o qual seria favorecido pelo apoio que os próprios estudos e recomendações da OCDE poderiam dar, por exemplo, ao aumento da produtividade, a melhor qualificação da força de trabalho, ao menor dispêndio público, ao incremento tecnológico e a uma maior consistência intertemporal das políticas públicas, não estando estas subjugadas às marés das diferentes políticas de governo (GODINHO, 2018). Um segundo aspecto positivo estaria vinculado a maior projeção brasileira no comércio internacional, haja vista que entre os dez principais destinos das exportações brasileiras, somente dois não são membros da OCDE (China e Índia)6, enquanto que entre os dez principais importadores, somente três (China, Argentina e Índia)7 (BRASIL, 2019).  Além disso, Thorstensen e Gullo (2018) afirmam que frente a paralisia da OMC, a OCDE teria aumentado sua relevância como fórum de debate alternativo. 

       Em termos de governança global, Godinho (2018) destaca ainda as oportunidades brasileiras em i) aumentar sua reputação internacional frente a investidores internacionais e avaliadores de risco; ii) projetar internacionalmente suas políticas; iii) atuar na negociação de determinados padrões internacionais; e iv) participar no processo de agenda setting global. Além disso, Guimarães (2017) defende que a OCDE poderia fazer parte de uma nova estratégia pendular da política externa brasileira entre a OCDE – que representaria o pólo capitalista ocidental liderado pelos EUA – e os BRICS – como pólo emergente do poder chinês – aumentando seu poder de barganha no jogo político da governança mundial.

       Já no que se refere às alegações contrárias, um das principais é a própria perda de soberania do país, haja vista que, ao ser membro, o Brasil teria a obrigação de cumprir com as decisões da Organização8 as quais poderiam não corresponder ao estágio de desenvolvimento político e econômico brasileiro atual, como, por exemplo, pela abertura de seus mercados. Outro argumento contrário é a perda da posição brasileira de liderança no G-77, conhecido como o grupo de países em desenvolvimento, a exemplo do que ocorreu com o México e a Coreia do Sul após sua adesão à OCDE. Um terceiro argumento contrário diz respeito à própria demanda por recursos humanos para a participação das diversas atividades da Organização, assim como de recursos financeiros, na medida em que sua participação requer o pagamento de contribuições financeiras regulares à Organização, o que não condiz com a política de corte de gastos e redução do Estado do atual governo brasileiro. (GODINHO, 2018).

       Por fim, pode-se considerar que essa nova prioridade brasileira prejudicaria seu poder de liderança regional na América do Sul, haja vista que o Brasil poderia perder seu reconhecimento como país igual a seus vizinhos, aumentando a desconfiança já existente em função da discrepância de capacidades econômicas e comerciais regionais. Dessa forma, a estratégia brasileira de se inserir no sistema internacional como representante e liderança da América do Sul – fundamental, por exemplo, em sua relação com os BRICS – estaria minada por seu paulatino distanciamento da região.

       Concluindo, a dualidade central está no fato de a adesão à OCDE, por um lado, ter um grande potencial de lhe abrir portas a um relacionamento mais próximo às potências capitalistas centrais, e, por outro, poder prejudicar sua postura histórica de líder dos países em desenvolvimento e da própria integração sul-americana. Para sabermos mais, teremos que acompanhar os próximos capítulos.


1 –  Alemanha, Áustria, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, França, Grécia, Islândia, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Noruega, Países Baixos, Portugal, Reino Unido, Suécia, Suíça e Turquia.

2 – Vale destacar que neste período, mais especificamente em 2007, a Rússia também foi convidada à Organização, no entanto, frente crise da Crimeia no ano de 2014, seu processo de adesão foi suspenso temporariamente.

3 –  Argentina, Chile, Colômbia, Paraguai e Peru.

4 – Mecanismo de consulta regional criado em 1986.

5 – Cúpula promovida pelo Brasil pela primeira vez em 2008 com o intuito de promover a integração e o desenvolvimento regional.

6 – Os dez maiores destinos de exportação brasileira em 2018, em ordem decrescente, foram: China, EUA, Argentina, Países Baixos, Chile, Alemanha, Espanha, México, Japão e Índia

7 – Os dez maiores importadores em 2018, em ordem decrescente, foram: China, EUA, Argentina, Alemanha, Coreia do Sul, México, Itália, Japão, França e Índia.

8 – Vale destacar que os instrumentos da OCDE podem ser divididos em dois tipos, as decisões e as recomendações, tendo as primeiras caráter vinculante.


Referências bibliográficas

BRASIL. Comex Vis: Visualizações do comércio exterior. 2019. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/comercio-exterior/estatisticas-de-comercio-exterior/comex-vis/frame-brasil>. Acesso em: 20 nov. 2019.

COZENDEY, Carlos Marcio. O pedido de acessão do Brasil à OCDE: Aceder a quê? Aceder por quê? Revista Brasileira de Comércio Exterior, n. 132, pp. 26-32, 2017. Disponível em: <http://www.funcex.org.br/publicacoes/rbce/material/rbce/RBCE132_CarlosMCozendey.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2019.

FERNANDES, Daniela. A briga entre EUA e Europa por trás de polêmica sobre Brasil na OCDE. BBC News Brasil, 14 out. 2019. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/geral-50043629>. Acesso em: 20 nov. 2019.

GODINHO, Rodrigo de Oliveira. A OCDE em rota de adaptação ao cenário internacional: perspectivas para o relacionamento do Brasil com a Organização. Brasília: FUNAG, 2018.

GUIMARÃES, Feliciano de Sá. Uma nova estratégia pendular?: A política externa brasileira entre OCDE e BRICS. VASCONCELOS, Álvaro (org.). Brasil nas ondas do mundo. Universidade Federal de Campina Grande: Campina Grande, 2017.

OCDE. A Strategy for Enlargement and Outreach: Report by the Chair of the Heads of Delegation Working Group on the Enlargement Strategy and Outreach, Ambassador Seiichiro Noboru. Paris: OCDE, 2004.

OCDE. A General Procedure for Future Accessions. C(2007)31/FINAL. Paris: OCDE, 2007a.

OCDE. Council Resolution on Enlargement and Enhanced Engagement. C/MIN(2007)4/FINAL. Paris: OCDE, 2007b.

OCDE. Active with Brazil. Paris: OCDE, 2015.

OCDE. Relatórios econômicos OCDE – Brasil. Fev. 2018. Disponível em: <http://www.oecd.org/economy/surveys/Brazil-2018-OECD-economic-survey-overview-Portuguese.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2019.

THORSTENSEN, Vera; GULLO, Marcelly Fuzaro. O Brasil na OCDE: membro pleno ou mero espectador? Working Paper 479 – Centro de Estudos do Comércio Global e Investimentos (CCGI/FGV), mai. 2018.

Escrito por

Beatriz Naddi

Doutoranda em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina (Prolam-USP). Membro do Observatório de Regionalismo vinculado à Rede de Pesquisa em Política Externa e Regionalismo (REPRI). Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Pampa (2014). Realizou intercâmbio acadêmico na Universidad de Guadalajara (México) por meio do Programa de Bolsas Ibero-Americanas Santander Universidades (2012/2). Realiza pesquisas na área de Relações Internacionais, com ênfase em Integração Latino-Americana e História do México.