Ao final do século XX e início do XXI, algumas transformações globais implicaram tendências importantes num contexto de globalização econômica em longo prazo, tal como o crescimento extraordinário dos fluxos internacionais de bens, serviços, ativos intangíveis, capitais e o acirramento da concorrência no sistema internacional. Mais importante, a revolução em tecnologia da informação e dos meios de comunicação forneceu base para que os grandes grupos produtivos e financeiros integrassem de forma global os processos de gerenciamento e de produção. (REBELO, 2014). A participação brasileira nesta nova dinâmica não esteve na fronteira das inovações tecnológicas, nem como indutor de encadeamentos produtivos de valor na América do Sul.

Segundo indicadores de estudos recentes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e Organização Mundial do Comércio (OMC), as denominadas cadeias globais de valor (CGV) refletem uma nova divisão internacional do trabalho. Esta se estrutura a partir da forma que os países se inserem na produção mundial: se são exportadores de matérias-primas que são utilizadas nas exportações de outros países ou se são exportadores de bens finais com maior valor agregado (AREND, 2014).

Esta nova configuração do sistema capitalista mundial implica desafios aos articuladores de política externa, especialmente em termos de política comercial. Do ponto de vista institucional, as crenças políticas dos articuladores de política externa são o vetor que define a política comercial de determinado país. Tal política é limitada por variáveis presentes no cenário internacional (BARRAL, BOHRER, 2012).

Nos anos 1990, as regras do Consenso de Washington influenciaram a formulação das políticas de integração regional na América Latina. O “regionalismo aberto” unia uma estratégia de estimulo a inovação tecnológica, integração produtiva e redução de assimetrias, com objetivo de integrar os países as mudanças na economia global (OCAMPO, 1998).

Sob a perspectiva do regionalismo pós-liberal, a política externa dos governos do Partido dos Trabalhadores (PT), em especial de Lula da Silva (2003-2010), deu ênfase à aproximação com países do eixo Sul-Sul com objetivo de diversificação dos mercados, em detrimento das negociações com países desenvolvidos, como a ALCA e o acordo Mercosul-UE. Tais negociações passaram a ser realizadas no âmbito de foros multilaterais como a OMC e no G-20 (MELLO, 2014).

Em 2011, o governo de Dilma Rousseff (2011-2015) lançou o Programa Brasil Maior, buscando ampliar a participação do país no cenário internacional por meio de um conjunto de medidas de incentivo ao investimento e a inovação, bem como ao comércio exterior e a defesa do mercado interno e da estrutura produtiva brasileira (BARRAL, BOHRER, 2012). Entretanto, a recuperação econômica dos países desenvolvidos e a redução do crescimento chinês, o principal motor da economia mundial, representaram dificuldades à economia brasileira (PINTO, GONÇALVES, 2014).

Deste modo, a inserção do Brasil no mercado internacional parece ser objeto de grande discussão no nível doméstico, envolvendo não só as instituições, mas também fóruns privados, empresariado e sociedade civil. A inflexão da política externa de José Serra, nomeado Ministro das Relações Exteriores do Brasil pelo governo interino de Michel Temer, representa uma mudança no sentido das negociações comerciais. O multilateralismo dos governos do PT foi rebatido já no primeiro discurso do chanceler, afirmando que buscará mais acordos bilaterais, uma vez que esta é uma tendência mundial.

A política externa do governo interino fundamenta-se na ideia de que o Brasil esteve isolado aos acordos e mega-acordos internacionais como o Trans-Pacific Partnership (TPP) e Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP) (THORSTENSEN, FERRAZ, 2014). No entanto, no mundo interdependente, nenhum país está totalmente isolado dos fluxos econômicos internacionais. O Brasil se integra às cadeias globais de valor (CGV) baseando-se na sua estrutura industrial relativamente dinâmica nos segmentos relacionados a recursos naturais, commodities industriais (derivados do petróleo) e tecnologias típicas do padrão fordista da produção (indústria automobilística, por exemplo) (AREND, 2014). Tal padrão de inserção internacional encontra-se fortemente dependente do dinamismo da economia internacional.

Assim, o espaço geográfico brasileiro parecer não ser percebido como território de agregação de valor ao longo das cadeias produtivas mundiais (AREND, 2014). Ao mesmo tempo, ganha força no debate político nacional a visão de que a preponderância das forças do mercado seria suficiente para mudar o padrão subordinado de inserção internacional brasileiro. Resta saber quais serão as consequências destas mudanças no direcionamento da política comercial brasileira e no processo de desenvolvimento do país.

Para mais informação (Referência)

AREND, M. A industrialização do Brasil ante a nova divisão internacional do trabalho. In: CALIXTRE, A.; BIANCARELLI, A.; CINTRA, M (ed.). Presente e Futuro do Desenvolvimento Brasileiro. Brasília: IPEA, 2014, p. 375-422

 BARRAL, W.; BOHRER, C. P. A política comercial do governo Dilma Rousseff: primeiras impressões. Política Externa. São Paulo, v. 20, n.3, p. 115-124, 2012.

MELLO, E. B. Nova PEI, uma questão de ênfase. Austral: Revista Brasileira de Estratégia e Relações Internacionais, Porto Alegre, RS, v.3, n.5, p. 247-271, 2014.

MELLO, P.C. Política externa de Serra demole princípios de Lula e Dilma. Folha de São Paulo.

OCAMPO, J. A. Beyond the Washington Consensus: An ECLAC Perspective. CEPAL Review. n.66. p. 7–28,1998.

OCDE – ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO; OMC – ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO. Interconnected economies: benefiting from global value chains.Preliminary version. 

 PINTO, E. C.; GONÇALVES, R. Les transformations mondiales et le nouveau role de la Chine. Revue Tiers Monde, n. 219, p. 19-37, 2014.

 REBELO, A. A Inserção do Brasil nas Cadeias Globais de Valor. In: PAZ NEVES, L. CEBRI Dossiê, Edição Especial, v. 2, ano 13. Rio de Janeiro: CEBRI, 2014.

 THORSTENSEN, V; FERRAZ, L. O isolamento do Brasil em relação aos acordos e mega-acordos comerciais. Livro Boletim de Economia e Política Internacional – IPEA, nº 16, Janeiro/Abril 2014, p. 5- 17.

Escrito por

Marcel Artioli

Mestrando no Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP e PUC-SP), integrante da Rede de Pesquisa em Política Externa e Regionalismo (REPRI), bem como do Observatório de Regionalismo. Pesquisa economia política internacional, integração regional, política externa brasileira e política comercial. Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2012). Atualmente é analista de desenvolvimento agrário da Fundação Instituto de Terras do Estado de Sao Paulo. Tem experiência na área de Gestão Pública, com ênfase na mediação de conflitos fundiários.