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Desde o final dos anos 2000, a Hungria vem sofrendo grandes transformações político-partidárias, marcadas pelo aumento da polarização interna, pela radicalização do discurso público e pela erosão da ordem democrática. O avanço do autoritarismo no país está diretamente ligado a uma narrativa de crise controlada por partidos populistas de direita, que, ao longo de uma década, securitizaram diferentes pautas para elevarem sua popularidade e representação parlamentar. Sua alavancagem política teve início com a crise da zona do euro, em 2010, e a condenação das práticas econômicas da esquerda, mas logo novas ameaças a serem combatidas precisaram ser criadas. A crise migratória europeia, em 2015, e a crise pandêmica da COVID-19, em 2020, forneceram a esses atores novas oportunidades de ampliar seus poderes de maneira irrestrita, através da construção das figuras de outros dois inimigos internos: em um primeiro momento, a do refugiado, principalmente o muçulmano, e, mais recentemente, a de qualquer membro da sociedade que coloque em risco o combate ao Coronavírus e a saúde pública.

A deterioração econômica e a ascensão da extrema direta húngara

Após o desmantelamento do bloco soviético, em 1989, a Hungria, assim como toda a Europa Centro-Oriental, vinha implementando medidas de modernização econômica e transição para a ordem capitalista. As reformas liberalizantes adotadas nas décadas de 1990 e 2000 buscavam a estabilização macroeconômica por meio de um rígido controle fiscal, da desregulamentação financeira, de privatizações e do reforço da seguridade social, emulando os sistemas de bem-estar social da vizinha Europa Ocidental (ÅSLUND, 2007). Contudo, as privatizações de ativos nacionais realizadas por governos de centro-esquerda húngaros aumentaram o grau de dependência de financiamento externo do país, que passou a receber exportações massivas de capital, sobretudo alemão, sob a forma de Investimento Externo Direto (IED) e de empréstimos bancários. De fato, antes da eclosão da crise da zona do euro, em 2010, o padrão de endividamento externo húngaro era semelhante ao de países da periferia atlântico-mediterrânea da União Europeia (UE) – isto é, Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha, pejorativamente agrupados sob o acrônimo “PIIGS” (FMI, 2013; BOZOKI; ÁDÁM, 2016).

Ainda em 2006, Budapeste começara a apresentar dificuldades econômicas e, em 2008, na esteira da crise financeira internacional iniciada nos Estados Unidos, o país foi o primeiro a precisar ser resgatado pela Troika formada pela Comissão Europeia, pelo Banco Central Europeu (BCE) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) (FMI, 2013; BOZOKI; ÁDÁM, 2016). A crise húngara foi amplamente associada ao fracasso do liberalismo e da esquerda política no país. Em vista disso, o eleitorado de direita húngaro adotou atitudes simultaneamente anticomunistas, negando o passado autoritário sob a órbita da União Soviética, e anticapitalistas, responsabilizando as elites liberais por políticas econômicas insustentáveis a longo prazo. Com isso, ganharam proeminência os partidos Fidesz-Aliança Cívica Húngara (Fidesz-Magyar Polgári Szövetség, usualmente chamado apenas de Fizesz), de centro-direita, e o Movimento para uma Hungria Melhor (Jobbik Magyarországért Mozgalom, abreviado para Jobbik), de extrema direita. Nas eleições do Parlamento Europeu de 2009, o primeiro obteve 56% dos votos populares, enquanto o segundo recebeu 15%. No ano seguinte, nas eleições nacionais de 2010, o Fidesz, em coalizão com o Partido Popular Democrata-Cristão (Kereszténydemokrata Nép-párt, KDNP) foi eleito com 53% dos votos (BOZOKI; ÁDÁM, 2016).

Após a vitória por maioria absoluta do partido de Viktor Orbán, o Fidesz obteve, graças às regras eleitorais desproporcionais do sistema húngaro, uma supermaioria parlamentar de dois terços. Já o Jobbik, que recebeu 17% dos votos, elevou significativamente a representação da direta radical no parlamento (BOZOKI; ÁDÁM, 2016). Entre 2010 e 2014, o Fidesz transformou totalmente o sistema jurídico e institucional húngaro, utilizando sua maioria parlamentar para introduzir uma nova constituição no país, a Lei Fundamental, e alterar todas as leis cardeais que regulavam o sistema político húngaro, inclusive aquelas referentes ao sistema eleitoral e à mídia. Instituições antes independentes, como o Tribunal Constitucional, o Ministério Público, a Presidência da República, o Conselho de Mídia e o Escritório de Auditoria do Estado foram transformados em órgãos subservientes à vontade do partido no poder. O discurso público, por sua vez, foi dominado por Orbán através da imposição de controle governamental sobre a emissora pública e a agência de imprensa nacional, bem como pela aquisição de meios de comunicação independentes por oligarcas pró-Fidesz (KREKÓ; HUNYADI; SZICHERLE, 2019).

Nenhuma concessão significativa foi feita à oposição minoritária e não houve nenhuma forma institucionalizada de aprovação popular do novo sistema constitucional. Tais mudanças instituíram uma democracia iliberal, que, ao eliminar o sistema de freios e contrapesos da Hungria, incapacitou a competição política e esvaziou o pluralismo, beneficiando o Fidesz em detrimento da oposição. Depois de ser reeleito em 2014, então apenas com maioria simples no parlamento, o partido estabeleceu uma gama de medidas repressivas contra a sociedade civil, a mídia independente e a academia, transformando a Hungria em um “regime híbrido”; ou seja, em um Estado autoritário no qual as instituições democráticas existem em teoria, mas o estado de direito e as liberdades civis são, na prática, severamente limitados. A repressão foi mascarada pela ilusão de participação popular criada por “consultas nacionais”, campanhas de propaganda em massa e comícios organizados pelo Fórum da Aliança Civil, organização social patrocinada pelo governo (BOZOKI; ÁDÁM, 2016; KREKÓ; HUNYADI; SZICHERLE, 2019).

O Jobbik, por sua vez, permaneceu como parte da oposição de extrema direita ao Fidesz e contribuiu enormemente para a radicalização do discurso público e a legitimação do discurso de ódio contra minorias. Ao explorar o sentimento anti-ciganos forte entre a população húngara, o partido introduziu um novo estilo político de comunicação: voltado à criação de escândalos e à contradição de valores dominantes, esse baseava-se em canais de comunicação alternativos e no uso profissional das mídias sociais, uma alternativa ao boicote da mídia convencional à oposição. Associada ao apoio de organizações de extrema direita menores e à fundação do grupo paramilitar Guarda Húngara, tal estratégia permitiu ao Jobbik atrair novos eleitores, sobretudo jovens, e estabelecer uma base política sólida em todo o país (BOZOKI; ÁDÁM, 2016; KREKÓ; HUNYADI; SZICHERLE, 2019). Embora o Jobbik possuísse uma postura favorável ao Islã e aos países muçulmanos[i], sua conduta polarizadora abriria caminho para que, na segunda metade dos anos 2010, o Fidesz adotasse uma retórica anti-imigração muçulmana.

A securitização da pauta migratória e a consolidação da imagem do inimigo interno

Krekó, Hunyadi e Szicherle (2019) apontam que a imigração não era uma questão política muito discutida na Hungria até 2015, sendo vista pelos governos anteriores de forma positiva, devido à escassez de mão de obra e ao envelhecimento da população. A situação só mudaria com a crise migratória europeia e a chegada de um número sem precedentes de requerentes de asilo ao território húngaro. O fluxo de imigrantes em massa foi combatido pelo governo húngaro por meio do endurecimento da regulação nacional de asilo e da declaração de estado de emergência[ii], além da deposição de tropas e da construção de uma cerca na fronteira com a Sérvia ainda em 2015. Os refugiados e imigrantes – assim como os atores sócio-políticos que, na retórica conspiracionista do governo, os ajudam, organizam e trazem para a Europa – foram transformados em inimigos da nação. Desse modo, o Fidesz explorou o momento político e instrumentalizou a objeção a estrangeiros pela sociedade húngara, etnicamente homogênea e tradicionalmente mais avessa a grupos minoritários e estrangeiros do que outros países do espaço pós-soviético. Apesar de ter uma população muçulmana ínfima[iii], a xenofobia e o racismo na Hungria são particularmente fortes contra muçulmanos, em uma manifestação da chamada islamofobia “platônica” (MAREŠ, 2014; KREKÓ; HUNYADI; SZICHERLE, 2019).

Ao securitizar o tema da imigração e reformular toda crítica contra o partido como um ataque às políticas de defesa da nação húngara, o Fidesz não só elevou sua popularidade como tornou o sistema político ainda mais autoritário. O centro político moveu-se ainda mais para a direita, acirrando a polarização entre a esquerda e a direita e reduzindo o apelo dos moderados a um eleitorado de massa (BOZOKI; ÁDÁM, 2016). Na última eleição, realizada em maio de 2018, o partido de Orbán recuperou a supermaioria parlamentar e se aproximou ainda mais de uma autocracia: além de limitar novamente as liberdades civis e acadêmicas, criou um império midiático próprio, estabeleceu um novo sistema de tribunais administrativos controlado pelo Ministério da Justiça, e endureceu a regulamentação sobre as manifestações públicas. A postura e retórica inflexíveis do Fidesz, assimiladas da extrema direita, reestruturaram todo o cenário político e levaram o Jobbik, na direção diametralmente oposta, a apostar em uma estratégia de moderação. Tal reposicionamento criou tensões internas e engendrou a separação da ala radical do Jobbik, que, em junho de 2018, formou um novo partido de extrema-direita, o Movimento Nossa Pátria (Mi Hazánk Mozgalom) (KREKÓ; HUNYADI; SZICHERLE, 2019).

Ainda em 2018, uma emenda constitucional aprofundou as restrições de acesso a asilo, proibindo o assentamento de populações estrangeiras e recusando proteção a qualquer requerente de asilo que chegasse à Hungria por um país de trânsito que as autoridades húngaras considerassem seguro aos requentes. Por outro lado, a legitimação do ódio contra refugiados e imigrantes pelo governo húngaro também contribuiu para o repúdio crescente contra outros grupos minoritários, com base em gênero e orientação sexual, e minorias nacionais, como os ciganos e romenos (KREKÓ; HUNYADI; SZICHERLE, 2019; HUMAN RIGHT WATCH, 2019). Krekó, Hunyadi e Szicherle (2019) ressaltam que na Hungria há uma ênfase da direita populista e da direita radical em valores cristãos e tradicionais, entendidos no contexto de uma suposta guerra cultural, travada, por um lado, contra o multiculturalismo e a ideologia de gênero promovidos pelo Ocidente liberal, e, por outro, contra a islamização encetada pelos imigrantes muçulmanos. Bozoki e Ádám (2016), de modo análogo, demonstram que tanto o Fidesz quanto o Jobbik empregaram uma construção ideológica dogmática pautada no etno-nacionalismo: elevando o conceito de nação etnicamente definida a um status sagrado, ambos ofereceram uma compreensão nacionalista e paganizada do cristianismo às massas.

Não por acaso, a Hungria se tornou um modelo regional para os países da Europa Centro-Oriental, sendo prontamente seguida pela Polônia, República Tcheca, Eslováquia e outros vizinhos na objeção da política migratória de “portas abertas” da Comissão Europeia (KREKÓ, JUHÁSZ, 2015). Outrossim, nos últimos anos a Hungria passou a atrair ativistas e simpatizantes da extrema direita, devido ao clima político “amigável” às suas pautas antiliberais e “antiglobalistas” (KREKÓ; HUNYADI; SZICHERLE, 2019). Todavia, não obstante o avanço da extrema direita e do autoritarismo, em outubro de 2019, a oposição de centro-esquerda húngara obteve sua maior vitória em uma década nas eleições municipais, conquistando a prefeitura da capital, Budapeste, e de outras grandes cidades. O resultado, até então, não afetava o poder de Orbán, amparado por um crescimento econômico sustentado, uma forte retórica anti-imigração, aumentos salariais e uma alta popularidade nas áreas rurais do país. O sucesso da coalização de partidos de oposição poderia, porém, ser um indício de mudança nas próximas eleições parlamentares, a serem realizadas em 2022 (SZAKACS; DUNAI, 2019).

A pandemia da COVID-19 e a securitização da saúde pública

No fim de janeiro de 2020, as autoridades húngaras já haviam divulgado um plano de contingência de 28 pontos contra o novo Coronavírus, porém sem muitos detalhes sobre como e quando as medidas seriam implementadas. Os primeiros casos conhecidos no país foram detectados nos dias 4 e 5 de março. Pouco depois, em 9 de março, o governo anunciou a liberação de 8 bilhões de florins húngaros (cerca de 24 milhões de euros) para o combate ao Coronavírus e, em 11 de março – dia em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) identificou a Doença pelo Coronavírus 2019 (COVID-19) como uma pandemia global –, o mesmo declarou estado de emergência, instituindo restrições a eventos públicos e atividades comerciais e de ensino, e proibiu a entrada no país de não húngaros vindos da China, da Coreia do Sul, do Irã e da Itália, até então os países mais afetados pela doença. Em 16 de março, a Hungria fechou suas fronteiras a todos os estrangeiros, com exceção dos residentes no país, e, em 18 de março, Orbán anunciou um pacote de ajuda para aliviar os efeitos da pandemia sobre a economia húngara (GALL, 2020a).

A retórica anti-imigração e anti-Islã foi mantida pelo Fidesz durante o enfrentamento da pandemia, tendo Orbán alegado haver um vínculo entre o Coronavírus e imigrantes ilegais, ao passo que o Corpo Operacional, grupo governamental de resposta à COVID-19, acusou iranianos em quarentena de não cooperarem e ameaçou deportá-los. Além disso, desde o início de março, a Comissão Europeia investiga a suspensão pelo governo húngaro da admissão de requerentes de asilo nas duas zonas de trânsito na fronteira da Hungria com a Sérvia, sob o argumento de que os requerentes que aguardavam pelo procedimento eram provenientes de países de alto risco, como o Irã (GALL, 2020a). A nova crise também serviu, mais uma vez, aos interesses políticos do Fidezs e de seu líder, que desde 2010 vem concentrando poderes paulatinamente. Ainda em 20 de março, a Ministra da Justiça de Orbán, Judit Varga, apresentou um projeto de lei, o Ato de Autorização, que previa a ampliação dos poderes do governo para conter a disseminação da COVID-19 e o prolongamento do estado de emergência por tempo indeterminado, uma vez que a constituição húngara só permitia que o mesmo durasse 15 dias, devendo qualquer extensão ser aprovada pelo parlamento (EWING, 2020).

Graças à supermaioria do Fidesz, em 30 de março, o Ato de Autorização foi aprovado pelo parlamento húngaro e rapidamente sancionada pelo presidente János Áder, aliado de Orbán. A legislação emergencial para combater a COVID-19 outorgou ao primeiro ministro o direito de governar por decreto sem prazo definido, cabendo ao chefe do executivo restaurar as funções legislativas e de supervisão do parlamento quando julgasse que a crise tivesse terminado. Enquanto a lei vigorasse, eleições ou referendos não poderiam ser realizados e o governo estaria apto a suspender a aplicação de certas leis. Ademais, indivíduos que divulgassem informações consideradas falsas ou distorcidas, passíveis de interferir na proteção do público ou alarmar um grande número de pessoas durante a pandemia, poderiam ser processados e condenados a cumprir pena de até cinco anos de prisão. O Ato só poderia ser revogado por outra votação no parlamento, com maioria de dois terços, e uma assinatura presidencial, o que, apesar da oposição de partidos menores, era improvável (BAYER, 2020; SZEKERES, 2020).

As medidas extraordinárias suscitaram críticas entre a Comissão Europeia, o Parlamento Europeu e a Organização das Nações Unidas, além de grupos húngaros e internacionais de direitos civis, que temiam um aumento da censura e da perseguição política no país (BAYER, 2020; SZEKERES, 2020). De fato, o Ato de Autorização consolidou o autoritarismo crescente do Fidezs e de Orbán, tendo o governo emitido mais de 100 novos decretos ao longo de abril e maio, alguns com pouca ou nenhuma relevância direta no combate à COVID-19, como aqueles que despojaram os municípios húngaros liderados pela oposição de poder de decisão e de recursos financeiros. Ao mesmo tempo, o parlamento, dominado pelo partido populista de direita, aproveitou a crise pandêmica para aprovar projetos legislativos controversos, incluindo um que priva pessoas transexuais de reconhecimento legal; enquanto a polícia iniciou mais de 100 investigações, chegando até mesmo a interrogar cidadãos sobre postagens críticas ao governo em redes sociais (WALKER, 2020). A lei também reforçou a influência de atores econômicos favoráveis ao governo, tendo a corrupção nos contratos públicos húngaros durante os primeiros quatro meses de 2020 atingido o nível mais alto desde 2005 (PALFI; CHADWICK, 2020).

Somente em 26 de maio, após Orbán ter levantado o lockdown em Budapeste e declarado vitória sobre o Coronavírus, o governo anunciou que submeteria ao parlamento um novo projeto para dar fim ao estado de emergência em 20 de junho (WALKER, 2020). Contudo, organizações de direitos humanos, como a Human Rights Watch, a Anistia Internacional Hungria e a União das Liberdades Civis da Hungria, afirmam que a promessa de revogar o Ato de Autorização e encerrar o estado de emergência não passam de um ludibrio do Fidesz. Isso porque o novo projeto de lei mantém a possibilidade de Orbán governar por decreto, sem restrição de tempo e com o mínimo escrutínio judicial e parlamentar, em resposta às emergências atuais e futuras de saúde pública, por meio da declaração de um “estado de emergência médica”. Caso um novo estado de emergência seja estabelecido, uma emenda ainda permitiria restringir a liberdade de movimento e assembleia (PALFI; CHADWICK, 2020; GALL, 2020b).

Cada vez mais próxima de um Estado autocrático e policial, a Hungria de Orbán está firmemente em desacordo com os princípios fundadores da União Europeia. Desde o final de 2018, o país responde a uma ação votada pelo Parlamento Europeu e iniciada pela Comissão Europeia, com base nas violações dos valores democráticos e humanitários do bloco. O procedimento é coberto pelo artigo 7 do Tratado da União Europeia, que prevê a suspensão de direitos de um Estado-membro, como o direito a voto e representação, mas não a sua expulsão do organismo de integração regional. Duas audições foram realizadas pelo Conselho da Europa em 2019, porém nenhum avanço significativo foi feito no sentido de coibir as violações de direitos de minorias e do estado de direito no país. Para além das deficiências das instâncias legislativas europeias, a inércia do Conselho reflete uma crescente alienação dos membros da Europa Centro-Oriental, por onde governos antidemocráticos têm se alastrado, em relação à agenda política promovida por Berlim e Bruxelas.


Notas

[i] Até 2013, o Jobbik via o Islã, instituição de ordem social rígida e promotora de valores tradicionais, como um modelo a ser seguido para o restabelecimento do status do cristianismo na Europa. Além disso, o antissemitismo e o antissionismo da extrema-direita europeia transformaram o Islã e os países muçulmanos em um aliado natural de muitos partidos, sendo a política externa proposta pelo Jobbik nessa época pró-muçulmana, pró-palestina e pró-iraniana. No entanto, desde a crise migratória europeia, em 2015, o partido colocou essa posição em segundo plano para evitar críticas (MAREŠ, 2014; KREKÓ; HUNYADI; SZICHERLE, 2019).

[ii] Oficialmente chamado de “estado de crise devido à imigração em massa”, o estado de emergência foi introduzido no país em setembro de 2015, sendo, inicialmente, aplicado em regiões de fronteira com a Sérvia, Croácia, Eslovênia e Áustria. Em 9 de março de 2016, o estado de emergência foi estendido a todo o território húngaro e, desde então, regras especiais se aplicam tanto aos nacionais de países terceiros que entram e/ou permanecem irregularmente na Hungria quanto aos requerentes de asilo. Ainda em vigor, em 5 de março de 2020 o “estado de crise” foi estendido pela oitava vez desde o início da crise migratória europeia em 2015.

[iii] O número gira em torno de 5.000 muçulmanos, porém é defasado, visto que o último censo realizado na Hungria é de 2011. No ápice da crise migratória, em 2015, o país recebeu 74.200 requisições de asilo (ACNUR, 2016) e estima-se que 67.000 pessoas tentaram cruzar as fronteiras húngaras ilegalmente (KREKÓ; JUHÁSZ, 2015). Contudo, muitos desses imigrantes tinham outros países como destino final, e, com o fechamento das fronteiras, a maioria sequer pisou em território húngaro.


Referência Bibliográfica

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Escrito por

Letícia Figueiredo Ferreira

Doutoranda em Relações Internacionais pelo Programa de Pós Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas da Universidade Estadual Paulista, da Universidade Estadual de Campinas e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Unesp/Unicamp/PUC-SP), sob orientação do professor Carlos Eduardo de Carvalho. Mestre em Economia Política Internacional pelo Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional (PEPI) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e bacharela em Relações Internacionais pela mesma universidade. Coordenadora de pesquisa do Laboratório de Estudos Asiáticos (LEA-UFRJ), sob orientação do Prof. Leonardo Valente, e membro do Observatório de Regionalismo (ODR). Participou do Puente al Futuro 2018, plano de formação de líderes jovens da América Latina e do Caribe financiado pela República Popular da China.Tem como principais áreas de estudo: Relações Internacionais, Integração Regional e Economia Política Internacional.