O referendo realizado pelo Reino Unido no dia 23 de junho, com resultado favorável pela saída da União Europeia (UE), tem gerado grande expectativa e acirramento de ânimos em torno de qual serão os termos de saída colocados pelo bloco e como os países, tanto aqueles pertencentes à UE quanto os pertencentes ao Reino Unido, lidarão com esse processo.

Em um primeiro momento, o legado imediato da decisão foi sentido na instabilidade institucional com a renúncia do primeiro-ministro David Cameron seguida da posse de Theresa May, de uma linha distinta dentro do Partido Conservador. Apesar de ser uma possibilidade dentro do regime parlamentarista, o Partido Trabalhador, opositor do Partido Conservador, considerou a condução de May ao cargo como inadequada, pois acreditava na atribuição pelas urnas, uma vez que um dos motivos alegados pelos britânicos para saída da União Europeia era justamente maior autonomia sobre suas decisões, padecentes dos “déficits democráticos” produzidos pelo processo de integração. Ademais, a instabilidade se instaurou também entre os países do Reino Unido, como visto no caso da Escócia que teve maioria favorável à permanência no bloco e será obrigada a acompanhar os ajustes que serão realizados ao deixar a UE.  Apesar de o plebiscito ser uma promessa de campanha de Cameron, ele próprio posicionou-se contra a saída, ao perceber as dificuldades decorrentes do processo.

Entretanto, a maior apreensão encontra-se na esfera econômica, já que a City de Londres é um dos principais centros financeiros da Europa. A maior queda em 30 anos da libra esterlina nas semanas antecessoras e posteriores ao referendo é reflexo da insegurança e dificuldade, no campo das políticas públicas, de lidar com as consequências dessa decisão, pois os britânicos parecem não ter clareza sobre como prosseguir e se desvencilhar das décadas de acordos e suporte institucional de decisões gerado pela sua adesão à UE.

Primeiramente, deve-se lidar com o déficit de 7% em conta corrente britânica que depende de financiamento externo para manter a libra. Além disso, a instabilidade não é grande atrativo para o auxílio de capital externo, algo que afeta não somente o Reino Unido, mas também a União Europeia, pois a zona do euro já se encontrava fragilizada antes do Brexit. E, após o resultado do referendo, as desconfianças para investimento se tornaram ainda mais acirradas.

Segundo especialistas, a saída do Reino Unido da UE poderia ocasionar a realocação do capital financeiro em outro centro do bloco. Assim, apesar da distinta infraestrutura, a Alemanha, capaz de abrigar esse fluxo, é pensada como futuro centro financeiro, mas deve-se considerar também que as últimas pesquisas apontam resultado desfavorável à possível reeleição de Merkel, chanceler alemã e liderança do atual modelo de integração europeia defendido por Berlim e marcado pela austeridade econômica acentuada nos anos de aprofundamento de crise. Isso decorre, em grande parte, por mudanças internas na busca por nova base de apoio. Sua política de abrigo aos imigrantes na UE, que é alvo de conflitos, não favorece o papel da Alemanha como polo centralizador europeu.

Paralelamente, as potencialidades de reprodução do capital britânico estão ligadas ao mercado europeu, pois o consumo nos países membros da UE é foco de parte significativa da produção do Reino Unido, assim como destino dos seus investimentos.

Nesse cenário, o governo de May vem apontando diretrizes para as negociações que executarão o resultado das urnas. Uma das propostas anunciadas é a restrição à imigração que acompanha um dos pontos de pauta nos debates sobre o plebiscito. No entanto, cabe ressaltar que essas linhas ainda estão sendo estabelecidas, de maneira que os interesses domésticos – privados e governamentais – atuarão em conjunção com os externos para influenciar a posição oficial da diplomacia britânica. Ao longo dos próximos anos, as ações de política externa podem ser alteradas conforme a conjuntura, moldando as condições nas quais o Reino Unido (incluindo todos seus atores internos) estará após a saída formal.

Diante do exposto, o processo britânico deve ser compreendido no quadro pelo qual a União Europeia e seus membros passam. Os acontecimentos recentes em diversos países, como Grécia, França, Espanha, Portugal, Alemanha, entre outros, atualizam as alianças internas do bloco, diante do aprofundamento da crise econômica, da instabilidade política e do agravamento da situação social de nacionais e de estrangeiros.

Em reunião recente, no dia 22 de agosto, os líderes da Itália, Alemanha e França se encontraram para debater uma Europa sem o Reino Unido. Na ocasião foram reforçadas as iniciativas desses países no comprometimento com o bloco europeu e sua manutenção no pós-Brexit. Também é esperado que Theresa May estabeleça logo os termos do relacionamento futuro com a UE. Já no Reino Unido, especula-se quando a premiê acionará o, que trata dessa ruptura. Apesar dos indícios de que a comunicação formal à UE ocorreria em 2017, o perfil de novo gabinete e as discussões conduzidas nos últimos meses possibilitam que a decisão seja antecipada.

Tanto por parte da União Europeia quanto do Reino Unido as mudanças serão grandes e a incerteza ainda assola os países nesse impasse. É provável que sejam escolhidos termos de saída que favoreçam a proximidade posterior entre ambos. A crise do euro, a situação dos refugiados e o debate sobre a estrutura da própria UE, enquanto caso icônico dos processos de regionalismo, assim como os fatores econômicos, comerciais e políticos britânicos demonstram um cenário de instabilidade prévio que foi aprofundado com a aprovação do Brexit. As lideranças europeias junto ao Reino Unido devem ter pela frente um grande desafio e a cooperação, se não mais como membros de um bloco, mas como parceiros, pode prevalecer.

 

Para mais informação (Referência)

BBC

<http://www.bbc.com/news/uk-politics-37219143>

<http://www.bbc.com/portuguese/internacional-36659204>

EXPRESS

<http://www.express.co.uk/news/world/697628/Brexit-news-European-Union-rethink-anti-austerity-alliance>

FINANCIAL TIME

<http://www.ft.com/cms/s/0/02004966-32e8-11e6bda004585c31b153.html?siteedition=intl#axzz4IpiqjHey>

JORNAL DO BRASIL

<http://www.jb.com.br/internacional/noticias/2016/08/28/premier-britanica-pode-acelerar-processo-do-brexit/>

JORNAL DE NEGÓCIOS

<http://www.jornaldenegocios.pt/economia/europa/uniao_europeia/detalhe/metade_dos_alemaes_nao_quer_novo_mandato_de_merkel.html>

REUTERS

<http://br.reuters.com/article/worldNews/idBRKCN0ZS20T>

THE GUARDIAN

<http://www.theguardian.com/politics/2016/aug/31/restricting-immigration-will-be-at-heart-of-brexit-deal-theresa-may-says>

UOL

<http://jota.uol.com.br/consequencias-praticas-da-saida-reino-unido-da-uniao-europeia>

VALOR ECONÔMICO 

<http://www.pressreader.com/brazil/valor-econ%C3%B4mico/20160627/281599534804516>

Escrito por

André Leite Araujo

Pós-Doutorando na UNESP, doutor em Ciências Políticas e Sociais pela Universidade de Bolonha, mestre em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP) e bacharel em Relações Internacionais pela PUC-SP. É pesquisador do Observatório de Regionalismo, da Rede de Pesquisa em Política Externa e Regionalismo e do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais. Seus estudos enfatizam a Política Externa Brasileira e o regionalismo da América Latina nos séculos XX e XXI, com ênfase nas pesquisas sobre Legislativos nacionais e Mercosul.