Imagem: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Flag_of_Mercosur.svg

Foi realizada, de forma virtual, no dia 01 de julho de 2024 a Cúpula Social do Mercosul. A mesma foi organizada pela Presidência pro tempore do Paraguai e deu seguimento a retomada das cúpulas sociais no ano anterior, em 2023.

A cúpula contou com quatro mesas temáticas: redução da pobreza, crescimento econômico inclusivo, povos indígenas e direitos humanos. As organizações da sociedade civil (OSCs) que tiveram o interesse em participar do encontro puderam se inscrever no Registro de Organizações e Movimentos Sociais do Mercosul por meio de um link¹ que foi disponibilizado, onde foram solicitados os dados da organização, sua finalidade ou objetivos, as áreas temáticas de interesse, a estrutura organizacional e detalhes da pessoa responsável pela apresentação. Posteriormente a este cadastro, as organizações deveriam também preencher formulário próprio da edição desta cúpula (MERCOSUR, 2024).

A Unidade de Comunicação e Informação do Mercosul (UCIM) enviou um e-mail para os que demonstraram interesse em participar do encontro, contendo o programa da cúpula, bem como o link de acesso à plataforma. Apesar disso, todos puderam ter acesso integral ao que foi discutido nas mesas temáticas, tendo em vista que a cúpula foi transmitida pelo canal do Youtube² do Ministério das Relações Exteriores do Paraguai.

Todos os que se inscreveram e receberam o link e a senha de acesso por e-mail puderam participar da reunião por meio do chat, sendo que os moderadores das mesas leram algumas das intervenções realizadas por atores da sociedade civil em um segundo momento do encontro, durante o diálogo. Interessante observar que houveram indagações e questionamentos sobre como funcionou o processo de escolha para a realização de apresentações por parte da sociedade civil. Diante das interrogações, um representante do Ministério das Relações Exteriores do Paraguai esclareceu que os expositores foram designados pelos Estados a partir de uma lista oferecida pela Secretaria do Mercosul em cooperação com o Foro de Consulta e Concertação Política (FCCP)³. A partir da dinâmica, pudemos identificar que cada Estado escolheu uma OSC para compor e apresentar em cada mesa temática.

A necessidade de esclarecimento se deu por conta de persistentes pedidos por parte de alguns representantes da sociedade civil para a utilização da palavra em duas mesas, sobre crescimento econômico inclusivo e direitos humanos. O representante do Ministério das Relações Exteriores paraguaio, Fabrizio Fiandro, ainda enfatizou que o pedido de fala não poderia ser concedido a todos os participantes por conta de questões organizacionais e de tempo, e que tal modelo foi adotado nas edições anteriores da cúpula social.

A cúpula foi aberta por um representante do Ministério das Relações Exteriores paraguaio que buscou enfatizar que o espaço se constitui como uma oportunidade única para aproximar a população do processo de integração regional, sendo que em sua visão o diálogo seria fundamental para que o processo pudesse atender aos anseios dos cidadãos. 

Identificamos que houveram apresentações de representantes de OSCs da Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai, sendo que cada expositor possuiu 10 minutos para discorrer a respeito daquilo que considerava prioritário para o processo de integração regional. Feitas as apresentações, os moderadores das mesas – que foram escolhidos pelo Ministério de Relações Exteriores paraguaio e que foram basicamente acadêmicos, advogados e economistas – buscavam estabelecer um diálogo com os expositores, no qual os mesmos tinham a oportunidade de aprofundar um pouco mais suas falas, ainda de que forma breve, bem como realizaram algumas leituras das contribuições levantadas pelos demais participantes por meio do chat. 

As ideias, demandas e reivindicações levantadas pela sociedade civil por meio das apresentações seriam sintetizadas e reunidas em um único documento e entregue para os representantes governamentais que participaram da Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul, realizada no dia 08 de julho de 2024. Inclusive foi questionado por alguns representantes da sociedade civil se tal documento seria tornado público, e a resposta proferida foi que sim, mas não houve um detalhamento de como ocorreria a posterior disponibilização do mesmo.

A mesa mais “disputada” e que contou com uma intensa participação via chat foi a de direitos humanos, em que diversos representantes das OSCs buscaram trazer suas opiniões e demandas em relação ao Mercosul. Nesta mesa as apresentações giraram em torno das seguintes questões: (i) gênero, onde foram ressaltadas a falta de representatividade política das mulheres e a violência política contra as mulheres nos meios digitais; (ii) direitos raciais, temática que foi levantada por uma organização brasileira que buscou frisar a importância de uma demanda já expressa na cúpula social anterior, que é a busca pela constituição de um fundo especial de reparação para a população negra no Mercosul; (iii) direitos dos idosos e (iv) direitos dos trabalhadores rurais. 

Apesar de nenhuma OSC argentina ter conseguido apresentar, em decorrência de problemas técnicos e de comunicação entre os mesmos, na mesa de direitos humanos pudemos observar que foram levantadas diversas pautas por meio do chat, como, por exemplo, a denúncia de que as políticas de gênero estariam sendo desmanteladas no país. Notamos uma grande preocupação por parte das OSC de que suas reivindicações fossem de fato visibilizadas e levadas para as autoridades governamentais.

Outras demandas feitas via chat diziam respeito às mulheres com deficiência; liberdade de expressão e proteção de dados pessoais; gravidez na adolescência; concretização e intensificação da circulação de pessoas (semelhante ao que ocorre na União Europeia); a importância da construção de instituições e mecanismos que garantam a efetiva participação política dos cidadãos dos Estados-membros na escolha dos representantes no Parlasul e a importância do exercício da cidadania para a efetivação dos direitos humanos no âmbito do Mercosul.  

Interessante observar que o moderador da mesa mais “disputada” – a de direitos humanos – buscou realizar alguns encaminhamentos em relação às demandas que foram levantadas pelos expositores, como, por exemplo, ofereceu orientação para que a representante uruguaia levasse também suas demandas em relação aos direitos das pessoas idosas para a Reunião de Altas Autoridades sobre Direitos Humanos do Mercosul (RAADH). A representante uruguaia prontamente respondeu que nesta instância há pouca possibilidade de participação social e que não há respostas em relação ao que é proposto, e que neste sentido a cúpula social se constitui enquanto uma oportunidade mais profícua para que as demandas sejam visibilizadas e levadas oportunamente ao conhecimento das autoridades governamentais.

Identificamos a participação de diversos segmentos da sociedade civil regional, entre eles acadêmicos – como, por exemplo, uma rede de pesquisadores vinculados à Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) -; sindicalistas, como a Central Única de Trabalhadores (CUT/Brasil), Central Geral de Trabalhadores (CGT/Paraguai) e a Confederação Sindical de Comunidades Interculturais Originárias (CSCIOB/Bolívia); OSCs vinculadas a diversos direitos: Instituto Âncora (Brasil), Rede uruguaia contra a violência doméstica, Rede de organizações de pessoas idosas do Uruguai, Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST/Brasil), International Global Youth Organization, entre outros. Houve também a participação de representantes de instituições públicas, como a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG/Brasil), bem como a participação do Instituto Social do Mercosul.

A mesa que contou com uma menor quantidade de apresentadores foi a sobre desenvolvimento econômico inclusivo, no qual apenas dois expositores, um boliviano e outro brasileiro realizaram as suas considerações a respeito da temática. O representante brasileiro, enfatizou, entre outras coisas, a importância da participação social no Mercosul; a necessidade de maiores investimentos em políticas sociais como educação, emprego e trabalho decente; fomento às políticas de incentivo às pequenas e médias empresas; reivindicou maiores investimentos em infraestrutura básica (energia, transporte) e o fortalecimento das redes de proteção social na região. Por fim, defendeu a importância desempenhada pelo Instituto Social do Mercosul e o Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos (IPPDH) para a agenda social do bloco. Por outro lado, o representante boliviano fez uma fala sucinta onde buscou ressaltar a importância de conciliar desenvolvimento econômico e sustentabilidade. 

A partir da observação do transcorrer de todas as mesas, pudemos notar que muitos expositores realizaram intervenções levando dados, estatísticas e informações de cada contexto nacional, com pouco ou nenhum esforço para entender o assunto a partir de uma perspectiva mais regional, o que acaba enfraquecendo o debate sobre as reais possibilidades de tratar de tais temáticas no âmbito do Mercosul. Além disso, notamos que algumas OSCs apresentaram demandas e reivindicações muito amplas e generalistas sobre diversas áreas setoriais de políticas públicas, como saúde, educação, assistência social, entre outros. Inclusive um representante brasileiro levantou uma crítica de que os temas das mesas eram muito genéricos, o que dificultava a formulação de propostas mais tangíveis.

Ainda assim, foram apresentadas algumas propostas muito bem delimitadas e específicas, por exemplo, a proposta de criação de uma rede universitária para a redução da pobreza no Mercosul, feita pelo Instituto Universitário Sul-americano (IUSUR), que teria o objetivo de articular as universidades dos Estados-membros e associados com o propósito, entre outros, de permitir a geração e a troca de conhecimentos e experiências no assunto; a verificação de boas práticas e o fomento de instrumentos de avaliação de políticas públicas. No momento do diálogo, o moderador buscou questionar ao propositor se tal demanda traria efeitos práticos para o Mercosul, tendo em vista a baixa presença das universidades da região em rankings mundiais de desempenho e qualidade acadêmica.

Dessa forma, salientamos um outro ponto que nos chamou a atenção: a importância desempenhada pelo moderador, principalmente na parte do diálogo, visto que seus questionamentos e perguntas acabam moldando as possibilidades de respostas e diálogos neste segundo momento da dinâmica. 

Outro ponto interessante é que dois representantes de OSCs brasileiras que apresentaram as suas demandas demonstraram firme oposição ao acordo entre o Mercosul e a União Europeia. O representante da Articulação dos Povos Indígenas (APIB) ressaltou que a oposição se deve pelo fato dos povos indígenas não terem sido consultados no processo de negociação, sendo que em sua visão a questão ambiental e indígena teriam sido tratadas de forma tangencial. A outra demonstração de oposição partiu da Central Única de Trabalhadores (CUT), que enxerga o acordo como prejudicial ao desenvolvimento de um Mercosul integrado, participativo e desenvolvido para todos. Nesse sentido, o acordo é visto como beneficiando apenas a integração europeia e não a região sul-americana.

Outra questão interessante a ser pontuada é que as questões ligadas ao meio ambiente e povos indígenas estiveram presentes nas falas de todos os participantes bolivianos, o que reflete a premência dessas agendas para as OSCs do país. Além disso, a questão da recente tentativa de golpe de Estado que ocorreu no país em junho de 2024 também esteve presente nas falas de alguns representantes bolivianos, que ressaltaram a importância do regime democrático para a consolidação de um cenário de paz e estabilidade na região.

Apesar da participação virtual representar uma possibilidade de maior acesso a alguns grupos que não teriam a oportunidade de se deslocar até o local de realização das cúpulas sociais, tendo em vista os custos financeiros, a virtualidade também propiciou problemas técnicos durante a dinâmica da cúpula. Não obstante, pudemos verificar que de uma forma geral o evento aconteceu sem maiores intercorrências.

A partir da dinâmica, pudemos observar algumas necessidades de aperfeiçoamentos, como a falta de transparência e informações em relação ao processo de escolha dos expositores que irão representar cada país durante as mesas temáticas; a necessidade de uma melhor e maior divulgação de como se dará a dinâmica de participação, ou seja, das regras do jogo, o que permite uma participação mais efetiva da sociedade civil e a necessidade de divulgação e transparência sobre os encaminhamentos dados em relação às demandas que foram apresentadas pela sociedade civil, o que está intimamente ligado com a influência da participação, que é uma questão importante para permitir que o espaço ganhe relevância e legitimidade perante a sociedade civil regional.

Não obstante, a realização desta cúpula social marca um esforço importante de retomada da agenda participativa no seio do Mercosul, tendo em vista a sua paralisia por cerca de sete anos e seu “reavivamento” enquanto instância de diálogo a partir de 2023 durante a Presidência pro tempore argentina, permitindo que diversos segmentos da sociedade civil possam enunciar seus anseios, demandas e reivindicações em relação ao processo de integração regional. As cúpulas sociais permitem a visibilização e a articulação dos atores – sociais e governamentais – no trato dos problemas e desafios que a região enfrenta, permitindo a consecução de agendas comuns para o seu enfrentamento.

Notas

¹ O documento pode ser acessado por meio deste link: https://www.mercosur.int/temas/asuntos-sociales/registro-mos-crear/

² Disponível em: https://www.youtube.com/@MultimediaMRE

³ O Foro de Consulta e Concertação Política do Mercosul foi criado pela decisão nº 18/98 do Conselho do Mercado Comum (CMC) como órgão auxiliar ao CMC e tem entre os seus objetivos a busca pela ampliação e sistematização da cooperação política entre os Estados que compõem o Mercosul (MERCOSUR, 1998).

Referências bibliográficas

MERCOSUR. Decisão nº 18/98, 1998. Disponível em: https://normas.mercosur.int/simfiles/normativas/18623_Dec_018_1998_ES_Creaci%C3%B3n_Foro_Cons-Concet_Pol%C3%ADtica_Acta%202_98.pdf

MERCOSUR. Cúpula Social do Mercosul, 2024. Disponível em: https://www.mercosur.int/pt-br/temas/assuntos-sociais/#:~:text=A%20C%C3%BApula%20Social%20do%20MERCOSUL,desenvolvimento%20sustent%C3%A1vel%2C%20equitativo%20e%20inclusivo.

Escrito por

Natanael Gomide Junior

Doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP/FCL/Ar), com financiamento pelo CNPq. Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), na linha de pesquisa de Política Externa e Instituições Internacionais. Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com ênfase em Ciência Política e Sociologia. Tem experiência e interesse nas áreas de Ciência Política e Relações Internacionais, principalmente nos seguintes temas: Organizações Internacionais, Regionalismo, Mercosul, ASEAN e Participação Social.