Imagem- Fonte: Uol –

No início deste mês, a Venezuela foi comunicada, pelos demais membros permanentes do Mercosul – Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai –de sua suspensão por tempo indefinido do bloco regional. A alegação foi a da não incorporação do acervo normativo mercosulino ao ordenamento jurídico nacional venezuelano, e marca um semestre de instabilidade, impasse e divergências num dos principais processos de integração da América Latina. Notadamente, desde julho, quando o Uruguai encerrou a presidência pró-tempore, Caracas assumiu a função – seguindo a rotatividade prevista –, mas os demais Estados não reconheceram sua autoridade e consideram a presidência vacante até instalarem uma presidência compartilhada. A dualidade de forças é reiterada com a suspensão anunciada pelos quatro países, mas não reconhecida pela Venezuela que afirma que se manterá como membro e como presidente da organização, em conformidade aos tratados do Mercosul.

Porém qual o peso da Venezuela para o bloco regional? De acordo com dados do Banco Mundial, a Venezuela é um país que em 2013 apresentou um PIB de mais de US$ 370bi. Para 2016 espera-se uma queda anual de 10,61% de seu produto interno, seguida por outra queda em 2017, mas que em 2018 retomaria seu crescimento, 1,68% é a expectativa. Além disso, sua população já passa os 31 milhões de habitantes e deve se preparar para uma inflação (hoje a mais elevada do mundo) de 1660% no próximo ano, de acordo com o FMI.

O país depende da exportação de petróleo (abundante em seu território), commodity responsável por quase 95% de suas receitas, contudo carece de investimentos à modernização de sua estrutura para a exploração do recurso. Dados recentes apontam que a Venezuela caminha para o 14º ano de produção de barris reduzida, o que se potencializa com a queda recente do preço internacional do mineral. Vale lembrar, em 2014, o preço do barril de petróleo bruto estava acima dos U$100 e, hoje em dia, orbita em torno de US$50. Com isso, não só fica mais difícil atualizar a infraestrutura petroleira do país, mas também manter os investimentos sociais inaugurados pelo chavismo, agravando o momento crítico vivido pelos venezuelanos.

E ainda, o cenário doméstico, além de marcado pelas questões econômicas vinculadas ao petróleo e à estrutura produtiva pouco diversificada do país, passa por instabilidade política. Desde dezembro do ano passado, a Assembleia Nacional possui maioria eleita de parlamentares oposicionistas, o que eliminou um pilar institucional de sustentação da Presidência. Nos últimos meses, o Legislativo e o Executivo, com envolvimento dos poderes Judiciário, Eleitoral e Cidadão, vem se confrontando pelas atribuições para governar a Venezuela, como na aprovação do orçamento, convocação de referendo revogatório, posse de deputados e constitucionalidade do presidente Nicolás Maduro.

A conjuntura vista em 2016 contrasta com o impulso ao regionalismo que o Mercosul teve na primeira década do século XXI. A inclusão de novos temas – além do comercial –, o alargamento e o aprofundamento nas relações com membros da América do Sul diferem da suspensão do único membro (ademais dos fundadores) incorporado como Estado-parte ao bloco, da paralisia do processo de adesão da Bolívia e da ênfase numa área de livre comércio, com flexibilidade para negociações externas. Sem dúvida, essas mudanças são resultados das condições políticas no sistema internacional, na região e no interior de cada país. A reorientação nos governos argentino, brasileiro, paraguaio e peruano posiciona-os em uma estratégia de política externa que não dá continuidade, em maior ou menor grau, aos projetos anteriores e à participação de atores como Venezuela, Bolívia e Equador.

Ademais, o governo de Maduro vem sendo sistematicamente isolado no âmbito internacional. Pois, além da oposição direta das potências à Caracas, notam-se ações como a reaproximação diplomática entre Cuba e Estados Unidos, com os presidentes Raúl Castro e Barack Obama, que reforçam a diminuição do papel que a ALBA-TCP teve na década anterior. E mesmo ao se considerar que a consolidação da Revolução Bolivariana e da Cuba pós-período especial estejam interligadas, a nova fase da política externa cubana, simbolicamente representada pela morte de Fidel Castro, apresenta um relativo afastamento em relação à Caracas. De modo amplo, todos esses elementos explicativos devem ser somados às complicações na União Europeia e às novas estratégias de expansão tanto dos Estados Unidos quanto da China, definindo limites complexos às dinâmicas internacionais.

Frente ao exposto, cabe refletir sobre os fatores que impulsionam os processos de regionalismo. Apesar de, muitas vezes, ser pautado por um discurso tecnocrata, nota-se que as ações são parte da política, passando por uma complexa teia de atores estatais e não-estatais com interesses múltiplos. Assim, a fundação do Mercosul, o ingresso e a suspensão venezuelanos, a suspensão paraguaia, a assinatura dos Protocolos de Ushuaia (I e II), entre outros episódios são atos que passam pelos processos decisórios e pelas pressões dos atores envolvidos. Sendo assim, são normais, desde essa perspectiva, momentos de maior tensão e relaxamento, afinal, como aponta Cairo Junqueira, “a formação de blocos regionais é, antes de tudo, um processo e não um fim em si mesmo”.

E para concluir, nos parece oportuno retomar a asserção de Ana Gazzola (em contribuição prévia para o ODR): “Integrar-se passa pela aceitação de que sozinho o Estado não alcança todos os seus propósitos e que a cooperação também não é suficiente para obter os melhores resultados.”. A oportunidade não reside em explorar os desafios que a pós-modernidade apresenta para o mundo e suas sociedades, contudo apontar que do jeito que está já está difícil e, portanto, abandonar um vizinho com problemas tão graves à própria sorte beira a crueldade, explicada não somente por motivações partidárias concorrentes e tampouco pelo modelo interinstitucional do bloco, senão por uma miopia incorrigível e limitante à elaboração e execução de projetos de longo prazo de qualquer natureza.

PARA MAIS INFORMAÇÃO (REFERÊNCIAS)

[World Bank] 

[Nasdaq]

[FMI]

[G1] Falta de investimento prejudica produção de petróleo da Venezuela

[CNN] Venezuela chaos: The biggest threat to cheap oil

[OilPrice] Venezuela’s Oil Production Plunges To 13-Year Low

[ElPaís] Cuba e Venezuela, uma relação de socialismo e petróleo

[BBC] Por que as grandes petroleiras continuam investindo na Venezuela apesar da crise

           Venezuela crisis: What is behind the turmoil?

[ODR] POR QUE O MERCOSUL NÃO DEVE RETROCEDER?

[IPPRI] O fim do Mercosul é um mito

Escrito por

André Leite Araujo

Pós-Doutorando na UNESP, doutor em Ciências Políticas e Sociais pela Universidade de Bolonha, mestre em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP) e bacharel em Relações Internacionais pela PUC-SP. É pesquisador do Observatório de Regionalismo, da Rede de Pesquisa em Política Externa e Regionalismo e do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais. Seus estudos enfatizam a Política Externa Brasileira e o regionalismo da América Latina nos séculos XX e XXI, com ênfase nas pesquisas sobre Legislativos nacionais e Mercosul.