A reflexão de hoje busca compreender em que medida a adoção do modelo institucional intergovernamental influencia no desenvolvimento dos principais processos de integração na América do Sul.

O Mercosul se estabeleceu com o objetivo de tornar-se um mercado comum, desenvolveu uma estrutura institucional ampla e deu bons resultados até a crise dos modelos brasileiro e argentino no final dos anos de 1990. As atuações unilaterais, que resultaram nas duas maiores crises econômicas que o bloco atravessou neste período, trouxeram à luz análises bastante críticas do modelo intergovernamental, tido como incapaz de minimizar por meio de suas regras e instituições os efeitos negativos do processo de integração.

No contexto pós-revisão de 2004, em que o Mercosul expande seu escopo através da criação de novas instituições bem como da possibilidade de aceitação de novos membros plenos, a adesão da Venezuela ao bloco tenderia a aliviar as assimetrias entre os Estados-partes, ao criar equilíbrio diante do eixo decisório Brasil-Argentina. Portanto, a ampliação horizontal do processo em direção à América do Sul seria um incentivo para o Brasil se mover também rumo ao maior aprofundamento institucional. Isto ocorreria porque, para alguns autores, a diminuição do peso brasileiro no conjunto da integração dá margem para a criação de órgãos com processos decisórios por maioria, diferentemente do que ocorre hoje no Mercosul justamente por imposição brasileira.

Aproveitando-se deste otimismo, a Unasul foi lançada durante a I Cúpula Energética que ocorreu em 2007 na Venezuela. Sua ênfase na associação política dos países da região, apoiando as instituições democráticas como pressuposto para o desenvolvimento e consolidação do processo de integração regional, permitiu sua criação em substituição à Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA).

Torna-se imperativo, assim, destacar o fato de que não houve nenhuma novidade em seu formato institucional, também de natureza intergovernamental; exceto por incorporar a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), se projetando como integração física mesmo antes de ser uma união econômica. Por este motivo, pode-se afirmar que a formação da Unasul foi um processo inédito, muito além da simples junção do Mercosul à Comunidade Andina de Nações (CAN), como proposto na época.

O movimento gerado a partir de sua constituição propunha, então, a invocação desta organização para contornar crises políticas nacionais ou entre os países sul-americanos, sem necessidade de interferência externa. No entanto, a invasão colombiana no Equador, a crise política interna na Bolívia em 2008 e a interferência norte-americana para instalação de bases militares na Colômbia em 2009, evidenciaram precocemente as dificuldades a serem enfrentadas pela instituição.

A ausência de uma resposta satisfatória aos problemas resultou, como de costume, na atuação conjunta bilateral entre Brasil e Argentina afim de se evitar um vácuo de reação dos países frente a seus vizinhos. Desta maneira, a existência da Unasul, enquanto uma instituição politicamente mais abrangente, não resistiu muitas vezes à vontade determinante dos Estados. É preciso repensar seus limites institucionais para garantir maior eficácia na resolução conjunta de problemas na região.

Diversos autores defendem a necessidade em processos de integração de que os chamados paymaster – ou seja, os países pagadores não somente de custos econômicos, mas também políticos – tragam soluções e posicionamentos contundentes diante de crises. No caso da América do Sul, muitas vezes se espera que o Brasil assuma este papel, devido ao seu tamanho geográfico e econômico, porém o país permanece no dilema entre aprofundar a integração e buscar novas e mais densas instituições ou deixar que os problemas sejam resolvidos por outros canais de soluções momentâneos que não passem pela redefinição de sua autonomia. Cabe portanto compreender quais serão as consequências para a América do Sul se nenhum de seus países tiver condições de arcar com os custos da integração em tão amplos aspectos; e como isso tem se refletido dentro de suas instituições conjuntas.

Assim, mesmo que a Unasul ou qualquer outro projeto na região possua diferenças em relação ao Mercosul, estes processos podem resultar na mesma tendência de esgotamento. As tentativas de ampliação, muito mais que de aprofundamento, do processo de integração na América do Sul vêm ocorrendo gradualmente por meio de ações de política externa dos países, envolvendo projetos já existentes. Porém, nenhuma delas parece encaminhar para inovações em termos institucionais; o que nos leva a crer que, em curto prazo, não haverá mudança significativa do processo de integração regional sul-americano.

Escrito por

Ana Elisa Thomazella Gazzola

Professora de Relações Internacionais na UNIP. Doutoranda e mestra do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas - UNESP, UNICAMP e PUC-SP, desde 2015, com foco em processos de Integração Regional na América do Sul. Pesquisadora do Observatório de Regionalismo (ODR) e da Rede de Pesquisa em Política Externa e Regionalismo (REPRI). Pós-graduada em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (2013). Graduada em Relações Internacionais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2009).