O objeto deste artigo são os macroprocessos de integração regional que ocorrem no sistema mundial, em especial o do continente asiático. O intuito é registrar considerações sobre acontecimentos recentes do fim do século XX  e início do século XXI, como a crise financeira asiática dos anos 1990, a ascensão chinesa e as iniciativas de integração comercial e monetária-financeira. Apesar dos desdobramentos da crise terem significado uma aproximação entre os países da ASEAN e a China, a Coréia do Sul e o Japão, do nosso ponto de vista, não parece provável- ao menos em curto e médio prazo, que a integração monetária-financeira se aprofunde nos moldes da teoria econômica e da experiência europeia recente.

As transformações do capitalismo contemporâneo propõem novas formas de configuração de poder. A atuação das empresas transnacionais, a difusão das tecnologias de informação, a fragmentação produtiva e a expansão das fronteiras de acumulação capitalista, bem como a predominância militar, econômica, monetária-financeira dos Estados Unidos são algumas características que compõem o pano de fundo do cenário internacional. Caminhando junto a essa rede de processos, as feições de integração política e socioeconômica têm distintas manifestações ao redor do planeta. Na Ásia, a integração regional tem ocorrido à sombra do protagonismo chinês.

Conforme apontado introdutoriamente em artigo do pesquisador Márcio José Oliveira Júnior, alguns processos constituem o espaço de integração asiático. Dentre eles, do nosso ponto de vista, atualmente o mais importante é o ASEAN+3, que era composto inicialmente por Indonésia, Filipinas, Cingapura, Malásia e Tailândia e, depois acrescentou Japão, China e Coréia do Sul. Apesar de a iniciativa remontar aos anos 1960, a aproximação do ASEAN com as outras três potências asiáticas se deu num contexto pós-crise financeira de 1997.

De modo geral, pode-se afirmar que a crise financeira que atingiu os países do Leste Asiático envolveu duas características comuns: a forte desvalorização das moedas nacionais de Tailândia, Malásia, Filipinas e Coréia do Sul e deflação dos preços dos ativos financeiros dos mercados. Disso, seguiu-se uma maciça fuga de capitais, o que comprometeu as reservas externas dos países da região. Os mecanismos de ajustamento fornecidos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) trouxeram à tona a discussão da necessidade de uma maior integração e cooperação financeira para os mercados asiáticos. As condicionalidades empregadas no pacote de recuperação do FMI, cujas diretrizes são vinculadas à liderança norte-americana, significaram, “via austeridade fiscal e monetária, o aumento da recessão” (CANUTO, 2000).

Em meio às turbulências do cenário internacional e, mais especificamente, da Ásia, a estratégia chinesa para a conquista de um lugar no sistema monetário internacional vem ocorrendo via construção de credibilidade como emprestador de última instância nos circuitos internacionais e regionais e por meio do fortalecimento de relações comerciais com os países de seu entorno.

O processo de abertura e desenvolvimento chinês, visto sob as perspectivas ocidentais, é profundo e complexo. As reformas realizadas pelo governo de Deng Xiaoping, líder político do Politburo Chinês de 1978 a 1992, rumo à modernização chinesa, deram, notadamente, as bases para o desempenho dinâmico da economia chinesa no último quarto do século XX e início do século XXI. A ruptura das relações sino-soviéticas nos anos 1960, o programa nuclear chinês e a reaproximação com os Estados Unidos no início dos anos 1970 deram pistas da nova configuração da estratégia chinesa em direção ao fortalecimento de suas capacidades defensivas. A criação das Zonas Econômicas Especiais (ZEEs) foi o principal instrumento de abertura econômica chinesa, pois permitiu a instalação do capital estrangeiro a fim de estimular a produção industrial e a absorção das tecnologias do mundo capitalista. De fato, reconstruir o processo de desenvolvimento chinês nos últimos 30 anos nos parece uma tarefa complicada, e não é esse o nosso objetivo aqui. No entanto, é necessário pontuar que “ainda que seja difícil de entender e aceitar, o Estado chinês não está a serviço do desenvolvimento capitalista; pelo contrário, é o desenvolvimento capitalista e o próprio Estado chinês que estão a serviço de uma civilização milenar que já se considera o pináculo da história humana” (FIORI, 2013).

Tendo em conta o planejamento chinês, duas iniciativas, criadas logo após a crise asiática, podem ser destacadas, tanto como forma de lidar com os efeitos da crise, quanto em um espectro mais amplo de integração e cooperação regional: a Iniciativa Chiang Mai (ICM) e as Asian Bond Market Initiatives (ABMI). A construção destes mecanismos de cooperação tinha como aspecto embrionário a criação de um fundo monetário asiático. No entanto, uma das explicações para a rápida recuperação do dinamismo econômico foi a produção de superávits externo pela pauta exportadora da região, o que mitigou os efeitos da crise, aliviando a vulnerabilidade externa dos países (CUNHA; BICHARA, 2005).

Diante desta rápida recuperação, a ICM teve um redirecionamento de seu propósito para concepção de um mercado financeiro mais aprofundado, visando absorver a poupança acumulada pela retomada do vigor econômico. Embora tenha relevância, a proporção dos recursos aportados não é tão expressiva quanto as eventuais necessidades de seus contribuintes e a ICM deve ser encarada mais como uma forma de atrair os países menores para o desenvolvimento de instrumentos regionais de financiamento em épocas de crise (SILVA, 2013).

Estudos atrelados principalmente à experiência europeia indicam variadas condições necessárias para tornar a integração monetária uma realidade. Grosso modo, a teoria econômica e a experiência histórica, indicam que deve haver: aprofundamento das relações comerciais e financeiras entre os países que compõem o bloco; mobilidade de fatores; nível de alinhamento entre o ciclo econômico dos países componentes (movimentos conjuntos de preços, renda, etc); elaboração de um pilar institucional adequado às realidades dos países, evitando-se arbitragens regulatórias e buscando-se a formatação de um ambiente de negócios menos assimétrico; e, o protagonismo de uma liderança regional apta e disposta a pagar o preço da unificação, que institua estabilizadores oficiais que visem à redução de potenciais e reais conflitos (CUNHA; BICHARA, 2005).

À vista disso, não parece possível, em um horizonte próximo, que a ASEAN+3 avance no sentido de uma integração monetária. Apesar da evidente liderança econômica chinesa, não há indícios de que este país assuma os preços de uma unificação, sobretudo porque, ao menos nos discursos de seus líderes, a China busca fortalecer a cooperação e o multilateralismo, não se apresentando uma busca pela liderança hegemônica regional. Entretanto, as ações chinesas na Ásia remetem a uma estratégia de seu fortalecimento econômico baseado em vantagens nas relações com seus vizinhos. De acordo com dados de 2015 da ASEAN, em relação à participação de países no comércio do bloco, a China responde por 15,2%, estando Japão e União Europeia em segundo e terceiro lugares com participações de 10,5% e 10%, respectivamente. Nota-se ainda que as exportações do bloco para a China correspondem a US$ 134 bilhões, frente a US$ 211 bilhões referentes às importações feitas da China.

Além disso, destaca-se que a China tem promovido e incentivado negociações comerciais em sua moeda, como uma forma de regionalizá-la. Eichengreen (2011) ressalta que o comércio em renminbi permite, em um primeiro momento, que as empresas e países acumulem reservas em moeda chinesa, as quais podem, posteriormente, ser utilizadas para depósitos bancários com autorização da autoridade monetária chinesa. Na esfera financeira, o país também tem autorizado transações financeiras offshore em sua moeda, com intuito de tornar Xangai um importante centro financeiro internacional até 2020.

Dessas breves ponderações, portanto, infere-se que a integração asiática é incipiente e conta com a China como fator de desequilíbrio econômico. Embora as iniciativas Chiang Mai e do Asian Bond Market tenham sido um avanço na cooperação dos países da região, são pouco expressivas e ainda não tiveram sua capacidade de resolução de crises (e resistência a elas) testada. Uma união monetária, além de não ser viável no momento, poderia gerar maiores problemas do que soluções, sobretudo devido à existência da assimetria entre as economias em relação à economia chinesa.

Observando-se os problemas recentemente enfrentados pela Zona do Euro, em que a impossibilidade de os países realizarem políticas econômicas individuais agravou a crise nos países europeus periféricos (Portugal, Espanha, Grécia, Irlanda), antes do aprofundamento da união econômica, é preciso que a ASEAN+3 aprofunde os vínculos políticos e diminua as assimetrias em direção a um bloco onde se visualizem relações mais equitativas entre seus membros.

[1] Comitê que supervisiona o partido

REFERÊNCIAS

 

ASEAN. External Trade Statistics. 2015. Disponível em: <http://asean.org/?static_post=external-trade-statistics-3>.

CANUTO,O. A crise asiática e seus desdobramentos. Econômica, Niterói, v. II, n.4, p. 25-60, 2000.

CUNHA, A.M; BICHARA, J.S. Integração monetária e financeira em regiões emergentes: a experiência recente do Pacífico Asiático pode servir de inspiração para o Mercosul? Economia e Sociedade, Campinas, v. 14, n. 2 (25), p. 235-262, jul./dez. 2005.

EICHENGREEN, B. The renminbi as an international currency. Journal of Policy Modeling, 2011, v. 33, p. 723-730.

FIORI,J. L. Sobre o desenvolvimento chinês II. Valor Econômico, São Paulo, 27 mar. 2013. Disponível em: <http://www.valor.com.br/opiniao/3062212/sobre-o-desenvolvimento-chines-ii>

OLIVEIRA JUNIOR, M. J. Uma introdução ao regionalismo asiático: a ASEAN. Observatório de Regionalismo. São Paulo. Jun.2016. Disponível em: <https://observatorio.repri.org/artigos/uma-introducao-ao-regionalismo-asiatico-a-asean/>

SILVA, L. A. S. O Desenvolvimento de Zonas Monetárias Regionais. In: CINTRA, M; MARTINS, A. R. A. (Org.). As transformações do sistema monetário internacional. 1ed. Brasília DF: Editora do IPEA, 2013, v. 1, p. 175-210.

XI diz que China nunca buscará ‘hegemonia, expansão ou esferas de influência. O Estado de S. Paulo, Nova York, 28 set. 2015. Disponível em: < http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,xi-diz-que-china-nunca-buscara-hegemonia–expansao-ou-esferas-de-influencia,1770508>

 

Escrito por

Marcel Artioli

Mestrando no Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP e PUC-SP), integrante da Rede de Pesquisa em Política Externa e Regionalismo (REPRI), bem como do Observatório de Regionalismo. Pesquisa economia política internacional, integração regional, política externa brasileira e política comercial. Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2012). Atualmente é analista de desenvolvimento agrário da Fundação Instituto de Terras do Estado de Sao Paulo. Tem experiência na área de Gestão Pública, com ênfase na mediação de conflitos fundiários.