A proposta deste texto é refletir sobre a complexa integração entre países política e economicamente assimétricos, tomando como objetos de análise as relações entre Estados Unidos e México durante o governo Trump. Mas, antes de aprofundarmos nesta discussão, regressemos um pouco a importantes fatores históricos dessa relação.

Maior potência mundial do pós-Guerra Fria, os Estados Unidos exercem uma grande influência no sistema internacional, o que não seria diferente em relação ao México. Divididos por uma das maiores fronteiras do mundo, os vizinhos México e Estados Unidos compartem uma história na qual a desconfiança é um elemento constante. Evento chave dessa relação foi a perda de 55% território mexicano aos Estados Unidos através da anexação da região do Texas e da conquista dos estados da Califórnia, Nevada, Utah e Arizona como resultado do fim da Guerra México-Estados Unidos entre 1946 e 1948 (ver mapa abaixo para mais detalhes). Passados sessenta e dois anos do fim deste conflito, a Revolução Mexicana foi vista pelos Estados Unidos como reflexo da instabilidade institucional mexicana, a qual seria um risco à própria segurança nacional estadunidense. A partir de então, tal relação foi administrada por meio de uma troca de garantias: enquanto os Estados Unidos não interviessem em sua democracia e autonomia, o México garantiria sua estabilidade interna no sentido de não perturbar a segurança nacional dos Estados Unidos.

009_historia_01

Ainda assim, ao longo do século XX e do início deste século XXI, a relação México-Estados Unidos já foi desafiada de diversas maneiras. Durante a Guerra Fria, o México foi único país latino-americano a não cortar relações com Cuba. No decorrer da negociação do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (North American Free Trade Agreement, NAFTA) – conhecido como o primeiro acordo entre países com poderes tão assimétricos -, ambos os governos tiveram que administrar a pressão de grupos opositores. Após os ataques terroristas de 11 de setembro 2001, o México teve que lidar com  a política de ultra securitização da fronteira por parte dos Estados Unidos. Em seguida, o poder cada vez maior dos grupos narcotraficantes no México potencializou a preocupação dos Estados Unidos sobre sua segurança fronteiriça. E agora, a relação México-Estados Unidos é mais uma vez repensada tendo como ponto fulcral a imigração.

Em janeiro de 2017, Trump ascendeu à presidência dos Estados Unidos por meio de um discurso moralmente conservador, politicamente antiglobalização e economicamente nacionalista, sendo o México (e os mexicanos) uma de suas principais fontes de desconfiança. Antes mesmo de sua chegada à presidência, Trump exaltava o fechamento da fronteira sul, denunciado, por um lado, o México de estar destruindo a indústria estadunidense e, por outro, os imigrantes mexicanos de estarem tirando o emprego dos americanos e levando caos social aos Estados Unidos por meio de roubos, prostituição e drogas.

Nesse sentido, a pressão de Trump pela construção do muro ao longo da fronteira com o México se tornou um assunto cada vez mais polêmico, não só pelo muro em si mas também pelo grande problema de financiamento para sua construção. Em discurso e postagens no Twitter, o presidente estadunidense afirmou que o México seria quem pagaria o muro “de uma forma ou de outra”, fazendo referência às renegociações comerciais. Nesse sentido, um de seus primeiros grandes atos foi a renegociação do NAFTA, o qual, segundo Trump, seria “o pior acordo comercial da história”, na medida em que este estaria tornando o comércio estadunidense menos competitivo e transferindo empresas e empregos para os outros países signatários, em especial ao setor automobilístico no México. Frente ao enorme peso dos Estados Unidos, tal negociação culminou no “fim”, juridicamente falando, do NAFTA e o surgimento do Acordo Estados Unidos-México-Canadá ou USMCA, onde Trump conseguiu emplacar a maior parte de suas demandas (veja o que mudou em matéria publicada anteriormente pelo Observatório clicando aqui).

Este ano, a imigração aos Estados Unidos tomou traços ainda mais dramáticos em sua relação com o México. Desde 2018, o México vem sendo utilizado como rota migratória para milhares de centro-americanos os quais estão fugindo da violência e pobreza em seus respectivos países. O resultado é uma intensa crise migratória, com milhares de imigrantes sendo detidos nos Estados Unidos e crianças mantidas em abrigos precários separados de seus familiares. Inclusive já foram registradas as mortes de suas crianças sob custódia do governo estadunidense. Frente a tal crise, Trump manteve sua postura anti-imigratória e passou a pressionar o México por meio da sobretaxação progressiva das importações mexicanas de 5% a 25% caso o governo mexicano não barrasse a onda migratória.

Obviamente, para o México, isto representaria uma crise econômica sem precedentes, na medida em que suas exportações aos Estados Unidos representam mais de três quartos de suas exportações totais. Frente a isso, em pouco mais de uma semana após o anúncio de Trump da sobretaxação, no dia 7 de junho, foi firmado um acordo entre México e Estados Unidos, onde o primeiro se comprometeu a controlar a onda de imigração em direção ao segundo impedindo a entrada ilegal de imigrantes em sua fronteira sul e tornando obrigatório aos imigrantes centro-americanos realizarem o pedido de asilo, primeiramente, no próprio México.

Nesse sentido, é importante destacar a complexa prevalência das questões comerciais sobre as sociais nas relações México-Estados Unidos. Dentro da ótica neoliberal de desenvolvimento, o acordo de livre comércio do México com Estados Unidos e Canadá resultaria em um balanceamento da qualidade de vida dos mexicanos, reduzindo, portanto, a pressão migratória. No entanto, após mais de vinte anos do acordo, o abismo econômico-social se manteve e a temática migratória fundiu-se às questões comerciais como moeda de troca. Assim, o comércio bilateral Estados Unidos-México, além de um instrumento econômico, tem sido utilizado como um instrumento político, que pressiona o México a aceitar os termos estadunidenses, como visto no caso da imigração.

Ao analisar as relações entre México e Estados Unidos fica evidente o conceito trazido por Joseph Nye de interdependência1, na medida em que ambos os países dependem um do outro, ainda que assimétricamente. Mesmo os Estados Unidos, liderados pelo antiglobalismo de Trump, não quebraram o acordo de livre comércio com o México (e o Canadá), só o reformulou, na medida em que o preço para quebrá-lo era muito maior que o manter. Além disso, a própria geografia agrega uma interdependência permanente, sendo o México o elo de ligação entre a América Latina e os Estados Unidos, garantindo-lhe maior influência sobre o fluxo migratório ao norte.

Frente a isso, é necessário haver um debate sobre a viabilidade (ou não) de acordos de integração estritamente comerciais, os quais não consideram aspectos sociais e, por isso, negligenciam um elemento central de qualquer relação: as pessoas. Enquanto tal debate não é posto em prática pelos governantes, resta ao México e aos mexicanos administrar os bônus e os ônus, as oportunidades e os riscos, de ser vizinho da maior potência política, econômica e militar do mundo. Como disse o ditador mexicano Porfírio Díaz, “Pobre México, tan lejos de Dios y tan cerca de Estados Unidos”.

[1] NYE, Joseph S. Cooperação e Conflito nas Relações Internacionais. São Paulo: Gente Editora, 2009.

Escrito por

Beatriz Naddi

Doutoranda em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina (Prolam-USP). Membro do Observatório de Regionalismo vinculado à Rede de Pesquisa em Política Externa e Regionalismo (REPRI). Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Pampa (2014). Realizou intercâmbio acadêmico na Universidad de Guadalajara (México) por meio do Programa de Bolsas Ibero-Americanas Santander Universidades (2012/2). Realiza pesquisas na área de Relações Internacionais, com ênfase em Integração Latino-Americana e História do México.