Conforme abordado anteriormente para o Observatório, diante das crises internacionais na integração regional o continente africano segue avançando na contramão e propondo novas iniciativas para o aprofundamento de seus projetos. Durante a 30a Assembleia Ordinária da União Africana, realizada entre os dias 22 e 29 de janeiro, na sede do bloco em Addis Ababa, importantes assuntos foram discutidos, com destaque para propostas que fazem parte da chamada Agenda 2063.

Em 2013, ao completar 50 anos desde a criação da Organização da Unidade Africana (OUA), que precedeu a UA, o bloco se propôs a lançar a Agenda 2063, um quadro estratégico para a transformação sócio-econômica da região, com metas e objetivos para o crescimento e desenvolvimento sustentável a serem alcançados em 50 anos. Dentre as propostas deste documento, se destacam os chamados flagship projects, ou os projetos emblemáticos, cuja execução seria urgente para garantir resultados de impacto no desenvolvimento sócio-econômico do bloco com maior agilidade. Doze são os projetos prioritários neste aspecto e, durante a última cúpula, ao menos três foram contemplados com decisões para sua continuidade.

O primeiro ponto a ser destacado é a adoção de um Mercado Único de Transporte Aéreo no continente africano. Tal projeto visa à favorecer a movimentação de pessoas na região, que, atualmente, depende, muitas vezes, de conexões na Europa ou no Oriente Médio para circular entre os países-membros da UA. Segundo reportagem publicada pela CNN, a população do continente africano soma 17% da população global, enquanto soma apenas entre 2-4% dos passageiros aéreos, o que demonstra o grande potencial de expansão para a área.

A União Europeia adotou medida similar em 1992, com a proposta do Mercado Interno para a Aviação. Em 25 anos, os resultados da implementação do projeto de harmonização político-normativa na aviação civil estão refletidos no aumento do número de voos dentro da Europa, na diminuição do valor das passagens, no maior número de passageiros viajando, na geração de empregos no setor aéreo e movimentação da economia, além da aproximação e interconexão entre culturas, que contribuem para a integração da região.

Estes figuram como resultados esperados também pelo projeto africano, que pretende aumentar a conectividade entre os países, desenvolver o setor aéreo e a indústria do turismo e contribuir para o crescimento e a integração da África. A proposta no setor aéreo contribui ainda para iniciativas que destacamos desde 2016 para a concretização da livre circulação de pessoas no continente, como a redução nas barreiras e vistos, e o passaporte africano. De imediato, 23 dos 55 países membros aderiram a proposta, no aguardo dos demais 32.

Justamente a livre circulação de pessoas é o segundo dos projetos emblemáticos a serem destacados que teve avanços, ainda que iniciais, na última cúpula. Durante a reunião, foi adotado um protocolo ao Tratado da Comunidade Econômica Africana, com um mapa de implementação para a política que favoreça os direitos de residência e estabelecimento para a livre circulação de pessoas. Por fim, o último flagship project a ser destacado é a Área de Livre Comércio Continental africana, que figura entre as metas da Agenda 2063 e sobre a qual o bloco decidiu convocar uma Assembleia Extraordinária no mês de março de 2018, com o objetivo de considerar os instrumentos legais para a assinatura do acordo.

São notáveis, portanto, os esforços do bloco continental africano nas propostas emblemáticas de aproximação entre seus países membros. No entanto, é preciso ressaltar alguns dos desafios que persistem em se apresentar para a continuidade do aprofundamento bloco. Um dos assuntos mencionados durante a cúpula, principalmente a partir da assunção da presidência rotativa por parte do presidente de Ruanda, Paul Kagame, foi um projeto para a reforma institucional e financeira da UA.

A preocupação com esse tipo de reformas reflete a necessidade do bloco ser mais autônomo e independente, considerando que, atualmente, a UA é dependente de financiamento externo para seu funcionamento e o envolvimento dos países membros é assimétrico, assunto que voltaremos a abordar para o ODR. A dependência externa prejudica a autonomia da organização e gera crises como a recente acusação de grampos e espionagem chinesa, país que financiou a construção da sede da UA. Além disso, com 55 países membros, torna-se claro o desafio, pois para que a integração continental continue a “alçar novos voos” é preciso que todos os sócios estejam “a bordo” e dispostos a superar dificuldades internas em favor do bloco continental.

Referências:

Foto por Tis Meyer, disponível em: http://planepics.org/spotterbrowser/imgview.php?id=9858

Escrito por

Clarissa Correa Neto Ribeiro

Doutora e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas - Unesp, Unicamp, PUC SP. Bolsista CAPES, foi pesquisadora visitante no German Institute of Global and Area Studies - GIGA Hamburg, pelo Programa Doutorado Sanduíche no Exterior (CAPES PDSE) e realizou pelo Programa de Escala de Pos Grado da AUGM mobilidade acadêmica de mestrado junto a Universidad de la Republica (Uruguai). Graduada em Ciências do Estado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), foi bolsista de Iniciação Cientifica do CNPq. Membro da Rede de Pesquisa em Politica Externa e Regionalismo (REPRI) e do Observatório de Regionalismo (ODR). Interessada em pesquisas sobre regionalismo comparado, atualmente investiga as consequências da proliferação de instituições regionais na África e América do Sul.