Fonte: Parlamento do Mercosul

Fonte da Imagem: Parlamento do Mercosul

Um dos aspectos das instituições e organizações regionais que nem sempre é lembrado é o das políticas públicas. O estudo de políticas públicas em instituições regionais é recente, inclusive pelo fato de o campo de estudo das Políticas Públicas ser posterior tanto à construção do campo da Ciência Política quanto ao surgimento da disciplina de Relações Internacionais. Todavia, sabe-se que os espaços regionais são espaços de trocas entre os países-membros em termos de suas políticas públicas e de potencial construção de políticas públicas comuns. 

Uma política pública é definida como uma ação intencional de um governo com objetivos a serem alcançados e envolvem “embates em torno de interesses, preferências e ideias” (SOUZA, 2006, p. 25). No âmbito das instituições regionais, as interações em termos de políticas públicas dependem da agenda e da profundidade do processo integracionista. O alinhamento de políticas públicas entre os países-membros pode se referir apenas a um tema específico no âmbito de suas políticas externas ou avançar para políticas públicas amplas e das mais vastas searas (como saúde, educação, trabalho etc.). Igualmente, essa interação pode variar num continuum entre o mero compartilhamento de experiências em termos de políticas públicas até a construção de uma política pública comum a todos os membros da instituição regional. Nesse sentido, em se tratando de regionalismo e política pública, Luján (2009) construiu um quadro de institucionalidade para políticas públicas regionais:

Quadro 1 – Modelos de Institucionalidade para Políticas Públicas Regionais

Condução centralizada Alianças estratégicas Modelos de redes
Configuração política Federação Confederação Comunidade
Unicidade da política pública Uma única política pública regional Programa conjunto e autonomia de execução Política nacionais autônomas
Tipo de condução Direção Coordenação Articulação
Instituição responsável Executivo Parlamento regional Executivos
Orçamento Orçamento institucional Orçamento global e orçamentos nacionais Orçamentos nacionais
Avaliação Controle de gestão Avaliação conjunta Avaliação por nó
Princípio ordenador Governo regional Supranacionalidade Intergovernamentabilidade
Níveis Um nível conexo Dois níveis Um nível desconexo

FONTE: Adaptado de Luján (2009, p. 191, tradução nossa).

Como o modelo criado por Luján (2009) demonstra, a unidade da política pública pode não existir (políticas nacionais autônomas), pode ser parcial (programa conjunto e

autonomia de execução) ou pode constituir uma política pública regional única. De todo modo, Ives (2018) demonstra como a transferência de políticas públicas é um mecanismo recorrente dos Estados-partes de instituições multilaterais para socializar seu modelo de Estado, inclusive no âmbito das instituições regionais. A transferência de políticas públicas é definida como “um processo no qual o conhecimento sobre políticas, arranjos administrativos, instituições e ideias de um ambiente político (passado ou presente) é usado para o desenvolvimento de políticas, arranjos administrativos, instituições e ideias em outro ambiente político” (IVES, 2018, p. 7). Tal prática é um recurso empregado pelos Estados para impactar as relações de poder. 

Nesse quadro, há dois cenários: o das instituições supranacionais e o das instituições intergovernamentais. Isso se deve ao fato de o desenho institucional balizar as dinâmicas de relações em muitos aspectos, tais como a profundidade e a autonomia dos Estados para gerarem políticas públicas e socializarem as suas respectivas experiências. Além disso, quando falamos de regionalismo e políticas públicas é preciso ter em mente que há dois componentes em constante tensão, o técnico e o político:

O primeiro é responsável pelo gerenciamento de operações, planejamento de atividades, controle da gestão e desenvolvimento de capacidade. O segundo centra-se na construção da legitimidade do processo, na obtenção do reconhecimento dos diferentes atores envolvidos e na procura do apoio económico, social e político que toda política requer. Estimula o comprometimento dos atores relevantes, busca seu apoio, gera recursos tangíveis e intangíveis e permite que a política, que se desdobra em um campo de forças em disputa, dê frutos. (LUJÁN, 2009, p. 190, tradução nossa).

Conforme Luján (2009), a fim de garantir maior probabilidade de sucesso, a institucionalização de políticas públicas regionais deveria começar por um acordo político e social amplo para resolver problemas específicos, e não problemáticas gerais. Por outro lado, Ives (2018) menciona possíveis dificuldades de organização regionais adentrarem temas específicos por isso envolver o adensamento do debate, quando muitas vezes as organizações regionais se limitam a debates rasos no campo da concertação política entre as partes. De todo modo, independentemente da disposição e/ou da capacidade dos Estados-membros de adentrar tópicos específicos e complexos na agenda da organização regional, Luján (2009) apresenta os três seguintes modelos de geração de políticas públicas regionais:

Quadro 2 – Modelos de Geração de Políticas Públicas Regionais

Racionalismo Incrementalismo Radicalismo Seletivo
Tipo de diagnóstico Diagnóstico exaustivo Diagnóstico rigoroso Diagnóstico focalizado
Tamanho do conjunto de alternativas Elaboração de todas as alternativas Análise de algumas alternativas Análise em profundidade de poucas alternativas
Alcance da ponderação de custos Ponderação de custos de todas as alternativas Ponderação de custos de cada alternativa gerada Ponderação de custos das alternativas principais
Tipo de interação Tomada de decisões Negociação Estratégia
Tipo de aprendizado realizado Aprendizado por dedução Aprendizado por indução Aprendizado por abdução
Tipo de alternativa selecionada Seleção da alternativa ótima Seleção da alternativa satisfatória Seleção das alternativas de alto impacto

FONTE: Adaptado de Luján (2009, p. 188, tradução nossa).

Com isso, percebe-se que, embora o debate seja recente, já se constroem elaborações teóricas importantes para: (i) compreendermos este aspecto específico das dinâmicas das instituições regionais; e (ii) pensarmos os modelos de instituições regionais que queremos construir perante o adensamento das interações internacionais em termos de políticas públicas. Este texto não teve o objetivo de aprofundar as perspectivas do estudo das relações entre regionalismo e políticas públicas, mas sim introduzir o debate e lançar luz a este tema importante tanto para a Academia, sobretudo para as disciplinas do campo das Ciências Sociais, quanto para o setor público.

REFERÊNCIAS:

LUJÁN, Carlos. Una reflexión sobre los soportes institucionales para viabilizar políticas públicas regionales. In: CAETANO, Gerardo (org.). La Reforma Institucional del MERCOSUR: del diagnóstico a las propuestas. Montevideo: Ediciones Trilce, 2009. p. 183-197.

IVES, Diogo. A teorização de processos de integração regional pela perspectiva da transferência de políticas públicas. OIKOS (Rio de Janeiro), v. 17, n. 1, 2018.

Escrito por

Gabriela D. Ferreira da Costa

Mestranda em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP). Graduada em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Foi bolsista de Iniciação Científica dos programas "Jovens Talentos para a Ciência" (CAPES), PIBIC (CNPq) e BIC (UFRGS). Tem experiência na área de Relações Internacionais, com interesse específico em Economia Política Internacional, Política Externa Brasileira e Regionalismos. Pesquisadora do Observatório de Regionalismo (ODR)